SEXO E SANGUE, SEXO E SANGUE
David CoimbraSexo e sangue.
As pessoas gostam de histórias com sexo e sangue.
Sexo e sangue sobejam na que contarei a seguir.
Está tudo na Bíblia. Há quem diga que isso pode desacreditar a história. Claro que não. Historicamente, a Bíblia deve ser encarada como a leitura dos hieróglifos pintados nas paredes dos túmulos egípcios ou como as inscrições nas estelas macedônicas: ali há muito de lenda, mas também há muito de verdade. Até porque a lenda conta algo a respeito de quem a concebeu. O que o autor pretendia ao contar aquilo como um acontecimento real? Que reação esperava do seu público? A natureza da mentira diz muito a respeito do mentiroso. O enredo do romance revela muito da alma do romancista.
A Bíblia relata a história do povo judeu. Começa com o Gênesis, o engenhoso mito da criação do mundo e do primeiro casal humano, segue pelo dilúvio, que, você já sabe, provavelmente foi uma grande enchente do Rio Eufrates. Tudo aquilo de que já falamos. O Gênesis é um livro genial, um texto poderoso repleto de significados enviesados, de mensagens recônditas, de interpretações psicológicas, antropológicas e filosóficas. Por exemplo: o Gênesis deixa bem posto, no capítulo do assassínio de Abel por Caim, que a Civilização é a desgraça do homem. O ideal de Deus e da Natureza seria a vida nômade e sem regras de Adão e Eva, que viviam pelados, pintados de verde, num eterno domingo.
Mas o homem desistiu daquela vida de liberdade e optou pelas amarras da Civilização. Deus não aprovou. A prova está em outro trecho do Gênesis pulsante de significados. É um capítulo intitulado “Corrupção da humanidade”:
“Quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a Terra, e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas, e escolheram esposas entre elas. O Senhor então disse: ‘Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne, e a duração de sua vida será só de 120 anos’. Naquele tempo, viviam gigantes na Terra, como também daí por diante, quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e elas geravam filhos. Estes são os heróis, tão afamados nos tempos antigos”.
Era a Bíblia introduzindo no espírito humano a noção de que sexo é pecado. Em resumo, com a Civilização o sexo tornou-se pecado. Porque o cimento da Civilização é a PROPRIEDADE, que é transmitida por HERANÇA, que é garantida pela FAMÍLIA, que só se mantém se existe a FIDELIDADE CONJUGAL. Tome esses quatro termos que escrevi em maiúsculas, some-os e você compreenderá o que é a Civilização.
O sexo livre, portanto, tornava-se pecado. Tratava-se de uma ideia nova no mundo. Durante milênios, homens e mulheres fizeram sexo sem culpa. Agora, os hebreus condenavam as ânsias da carne. Quando isso se deu? A tradição bíblica afirma que o redator do Pentateuco foi Moisés, o que situaria a obra em cerca de 1.200 anos antes de Cristo, mas sabe-se que os autores foram vários e mais recentes. É provável que esse pensamento só tenha se desenvolvido na época dos profetas, que eram uns tipos sisudos e moralistas. Isso joga a noção de pecado da carne lá para o século sétimo antes de Cristo.
Mas o que importa são as intenções dos autores da Bíblia. O que eles pretendiam passar ao leitor com toda essa conversa de os filhos de Deus cobiçando as filhas dos homens, o homem abandonado por Deus por ser ele, homem, todo carne. São parábolas. Histórias ilustrativas.
Agora, é evidente, também, que nem tudo na Bíblia é ficção. O primeiro personagem histórico do Pentateuco, o primeiro que a Ciência admite que possa ter existido, foi Abraão, o patriarca das três grandes religiões monoteístas, o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo.
Abraão era da cidade de Ur, da Caldeia. Saiu de lá para tornar-se um seminômade. Vagava com sua família e seus animais pelo palco sempre agitado do Oriente Médio, vez em quando parava em uma cidade, comerciava e seguia em frente.
A vantagem dos nômades é que eles podem escapar rapidamente das intempéries. Uma enchente não leva tudo o que eles têm, porque eles nada têm. Ou quase nada. O que têm, carregam nos próprios braços ou nos lombos das mulas. Era o que faziam Abraão e os seus. Um dia, sobreveio uma seca e, por consequência, grande fome na região de Canaã. Abraão reuniu seu pequeno clã e partiu para o Egito. Antes de entrar no país, chamou sua mulher Sara, que então chamava-se Sarai, nome que acho muito mais gracioso, e disse-lhe:
“Escuta: sei que és uma mulher formosa. Quando os egípcios te virem, dirão: ‘É sua mulher’, e me matarão, conservando-te a ti em vida. Dize, pois, que és minha irmã, para que eu seja poupado por causa de ti, e me conservem a vida em atenção a ti”.
Abraão conhecia o mundo em que vivia. Chegando ao Egito, o faraó em pessoa encantou-se com Sarai e a incorporou ao seu harém. Com todo o respeito aos fiéis das três grandes religiões monoteístas, que são milhões, preciso comentar que Sarai devia ser uma mulher monumental, uma Megan Fox da pré-história. Porque, de acordo com a Bíblia, veja só o que aconteceu:
“Por causa dela, Abraão foi bem tratado pelo faraó, e recebeu ovelhas, bois, jumentos, servos e servas, jumentas e camelos”.
O faraó deve ter ficado muito contente com a mulher que lhe trouxe Abraão. Mas, nesse ponto, emerge uma imprecisão histórica da Bíblica: o camelo ainda não havia sido domesticado no tempo de Abraão. Isso só se deu cerca de 700 anos depois.
Em todo caso, o que nos interessa é que o faraó se repoltreou com Sarai. Do que o Senhor não gostou nem um pouco. Furioso, “feriu com grandes pragas o faraó e sua casa”. Ao que o faraó chamou Abraão e o recriminou:
– Por que me disseste que era tua irmã? Que me levaste a fazer?
Então, devolveu Sarai a Abraão e os mandou embora com tudo o que tinham.
O relato bíblico dá a impressão de que Abraão valeu-se da beleza de Sarai para amealhar patrimônio, mas isso também não é relevante. O relevante, aqui, é o fato de Abraão ter passado pelo Egito, demonstrando como os povos da região começavam a se interessar pelo grande país espreguiçado às margens do Nilo.
Abraão continuou a viver suas aventuras pelo Oriente Médio, na companhia de sua mulher Sarai e de seu sobrinho Lot. Em certo momento, Lot acomodou-se, com sua mulher e filhas, na cidade de Sodoma, vizinha de Gomorra.
Tenho certeza de que agora você se interessou mais pela história. Só porque leu esses nomes mágicos: Sodoma e Gomorra. De fato, essas duas cidades passaram para a posteridade como exemplos de pecado e de depravação. Sexo, as pessoas estão sempre pensando em sexo. Em homenagem à Sodoma e Gomorra, vamos então abrir um capítulo especial, intitulado… leia o título no próximo capítulo.
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