1 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 13

PÃOZINHO DE MÚMIA
David Coimbra

Um dos itens da dieta dos ingleses do século 19 eram deliciosos pãezinhos feitos com trigo fertilizado por… múmias egípcias de cinco mil anos de idade.
Sério.
Múmias.
Mais: múmias de gatos.
Em 1888, um fazendeiro egípcio, ao escavar a terra seca de sua propriedade, descobriu um imenso cemitério de múmias de felinos. Eram centenas de milhares delas, tantas que as crianças do vilarejo as colhiam do solo e as ofereciam por quaisquer trocados aos turistas ocidentais. Num tempo em que não havia raio x nos aeroportos, em que não havia nem aeroportos, os turistas enfiavam as múmias no fundo da bagagem e, ao chegar à Europa, as expunham na estante da sala, como se fossem berimbaus da Bahia ou sombreros mexicanos.
Outros europeus encontraram uso mais prático para as velhas múmias. Descobriram que, picadas, trituradas e transformadas em farelo, elas viravam eficientes fertilizantes. Assim, cargas enormes de múmias (ou seja, de mortos) eram transportadas nos navios. Um transatlântico chegou a transportar 180 mil múmias de gatos de um continente para o outro. Na Velha Álbion, as múmias milenares foram usadas para adubar a terra dos jardins de Liverpool.
A edição de novembro de 2009 da Revista National Geographic contou em detalhes essa história. Procure-a. É muito instrutiva. Porque conta algo importante a respeito dos egípcios: como eles valorizavam seus animais de estimação, bem como a ideia de preservar os corpos, todos os corpos, de bichos e de homens, para as aventuras na vida eterna.
Aí estão duas palavras essenciais para se compreender o Antigo Egito:
Vida
Eterna.
Os egípcios acreditavam que viveriam depois da morte e que, nessa nova existência, usariam o corpo que entrara em falência, se alimentariam da comida que os sustentava e se relacionariam com as criaturas que lhes haviam servido de companhia. Quando os bichos de estimação morriam, portanto, seus corpos também deviam ser preservados para que acompanhassem os donos pelo caminho reto da eternidade. Por isso, há espalhadas pelos museus do mundo múmias de gatos, de cachorros, de crocodilos e até de íbis, que, além de ser o pior time do mundo, é um pássaro pernalta que vive no Nilo e, segundo o poeta satírico romano Juvenal, “se alimenta de serpentes”. Eu mesmo já vi múmias de gatos e pequenos crocodilos. E, claro, de seres humanos.
As múmias humanas que atravessaram os milênios de Civilização em melhor estado são, evidentemente, as dos ricos. O processo de mumificação era caro e trabalhoso, como você já percebeu ao ler o texto de Heródoto. A areia e o clima seco do deserto ajudavam a preservar os corpos, mas, no caso de alguns faraós, foram seus túmulos monumentais que os conduziram à admiração da posteridade.
Estou falando das pirâmides.
“Toda a gente teme o tempo, mas o tempo teme as pirâmides”, diz um provérbio árabe. Compreensível. Não há como não se espantar com essas sepulturas magníficas. A maior das 80 que emergem das areias do Egito é a de Quéops, chamada de “A Grande Pirâmide”. Não por acaso: quando foi construída, em 2.500 Antes de Cristo, a Pirâmide de Quéops tinha quase 150 metros de altura. Algo como um prédio de 50 andares. Era toda revestida de mármore, imagine-a refulgindo à luz do deserto. Trata-se da estrutura mais pesada jamais erguida por mãos humanas: tem 2,5 milhões de blocos de pedra, cada um pesando, em média, duas toneladas e meia, os da base com 150 toneladas. Em 4.500 anos, a Grande Pirâmide perdeu uns 10 metros de altura. Porque os ladrões lhe roubaram todo o revestimento e porque o tempo faz diminuir prédios e pessoas.
A segunda maior pirâmide é a do filho de Quéops, Quéfren. Ele foi o segundo em tamanho de pirâmide, mas, em compensação, a Esfinge tem o seu rosto (e não o de uma mulher, como muitos acreditam), além de corpo de leão e asas de águia.
A pirâmide menor é a do sucessor de Quéfren, Miquerinos. Os arqueólogos acreditam que as pequenas pirâmides do complexo de Gizé, humildemente ao pé dessas três grandes, eram as sepulturas das rainhas dos faraós.
Ao contrário do que a História consagrou, as pirâmides não foram construídas por escravos, e sim por trabalhadores livres que até greves promoveram. Bem, óbvio: liberdade para a Antiguidade, entenda-se. Os operários das pirâmides eram, em sua maior parte, camponeses que deviam pagar impostos ao faraó pela posse da terra. Durante o período das cheias do Nilo, entre julho e setembro, eles eram convocados para o, digamos, serviço público. Depois voltavam para trabalhar em suas terras.
Não é tão simples contar como era a vida no Egito. Porque a vida muda com o passar do tempo, você sabe. Então, pense no seguinte: a história do mundo Ocidental é narrada a partir do nascimento de Cristo, mais de dois mil anos atrás. Certo. Tire dois mil anos da história do Antigo Egito e ainda haverá outros milhares de anos a serem relatados. Para simplificar, contabilize apenas a história do Egito centralizado politicamente, o Egito dos faraós: são três mil anos. Três mil! Muita coisa muda nesse pedaço de tempo.
Para tentar organizar essa história em sua cabeça, lembre-se que são 30 dinastias de faraós em 30 séculos. Não 30 faraós: 30 dinastias. O unificador do Egito foi um faraó chamado Menés que viveu mais ou menos em 3.300 Antes de Cristo. Nessa época, o Egito já era antigo de milênios. Mas foi Menés quem conseguiu dominar os reinos do Alto e do Baixo Egito. Ele foi o unificador do país. O Bismarck egípcio. A partir dele, o Egito segue com surpreendente estabilidade por séculos. Essa crônica se estende de Menés até a conquista de Alexandre, o Grande, por volta de 300 Antes de Cristo.
Alexandre, no leito de morte, foi cercado por seus generais. Eles queriam saber a quem caberia seu império. Ele balbuciou:
- Ao mais forte.
E morreu.
Seguiu-se uma luta entre os generais, cada qual tomou um naco do mundo. Ptolomeu ficou com o Egito. A partir de então, foram seus descendentes, os Ptolomeus, que governaram o país. Cleópatra era dessa linhagem. Era meio grega, meio egípcia, portanto. Com ela extinguiu-se a história do Egito livre. Depois que a áspide picou o seio de Cleópatra, o Egito se esfarelou no tempo. Hoje, aquele Egito não existe mais.
As realizações do Antigo Egito é que relataremos a seguir, no próximo capítulo de A História do Mundo.

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