PÃOZINHO DE MÚMIA
David Coimbra
Um dos itens da dieta dos ingleses do século 19 eram deliciosos pãezinhos feitos com trigo fertilizado por… múmias egípcias de cinco mil anos de idade.
Sério.
Múmias.
Em 1888, um fazendeiro egípcio, ao escavar a terra seca de sua
propriedade, descobriu um imenso cemitério de múmias de felinos. Eram
centenas de milhares delas, tantas que as crianças do vilarejo as
colhiam do solo e as ofereciam por quaisquer trocados aos turistas
ocidentais. Num tempo em que não havia raio x nos aeroportos, em que não
havia nem aeroportos, os turistas enfiavam as múmias no fundo da
bagagem e, ao chegar à Europa, as expunham na estante da sala, como se
fossem berimbaus da Bahia ou sombreros mexicanos.
Outros europeus encontraram uso mais prático para as velhas múmias.
Descobriram que, picadas, trituradas e transformadas em farelo, elas
viravam eficientes fertilizantes. Assim, cargas enormes de múmias (ou
seja, de mortos) eram transportadas nos navios. Um transatlântico chegou
a transportar 180 mil múmias de gatos de um continente para o outro. Na
Velha Álbion, as múmias milenares foram usadas para adubar a terra dos
jardins de Liverpool.
A edição de novembro de 2009 da Revista National Geographic contou em
detalhes essa história. Procure-a. É muito instrutiva. Porque conta
algo importante a respeito dos egípcios: como eles valorizavam seus
animais de estimação, bem como a ideia de preservar os corpos, todos os
corpos, de bichos e de homens, para as aventuras na vida eterna.
Aí estão duas palavras essenciais para se compreender o Antigo Egito:
Vida
Eterna.
Os egípcios acreditavam que viveriam depois da morte e que, nessa
nova existência, usariam o corpo que entrara em falência, se
alimentariam da comida que os sustentava e se relacionariam com as
criaturas que lhes haviam servido de companhia. Quando os bichos de
estimação morriam, portanto, seus corpos também deviam ser preservados
para que acompanhassem os donos pelo caminho reto da eternidade. Por
isso, há espalhadas pelos museus do mundo múmias de gatos, de cachorros,
de crocodilos e até de íbis, que, além de ser o pior time do mundo, é
um pássaro pernalta que vive no Nilo e, segundo o poeta satírico romano
Juvenal, “se alimenta de serpentes”. Eu mesmo já vi múmias de gatos e
pequenos crocodilos. E, claro, de seres humanos.
As múmias humanas que atravessaram os milênios de Civilização em
melhor estado são, evidentemente, as dos ricos. O processo de
mumificação era caro e trabalhoso, como você já percebeu ao ler o texto
de Heródoto. A areia e o clima seco do deserto ajudavam a preservar os
corpos, mas, no caso de alguns faraós, foram seus túmulos monumentais
que os conduziram à admiração da posteridade.
Estou falando das pirâmides.
“Toda a gente teme o tempo, mas o tempo teme as pirâmides”, diz um
provérbio árabe. Compreensível. Não há como não se espantar com essas
sepulturas magníficas. A maior das 80 que emergem das areias do Egito é a
de Quéops, chamada de “A Grande Pirâmide”. Não por acaso: quando foi
construída, em 2.500 Antes de Cristo, a Pirâmide de Quéops tinha quase
150 metros de altura. Algo como um prédio de 50 andares. Era toda
revestida de mármore, imagine-a refulgindo à luz do deserto. Trata-se da
estrutura mais pesada jamais erguida por mãos humanas: tem 2,5 milhões
de blocos de pedra, cada um pesando, em média, duas toneladas e meia, os
da base com 150 toneladas. Em 4.500 anos, a Grande Pirâmide perdeu uns
10 metros de altura. Porque os ladrões lhe roubaram todo o revestimento e
porque o tempo faz diminuir prédios e pessoas.
A segunda maior pirâmide é a do filho de Quéops, Quéfren. Ele foi o
segundo em tamanho de pirâmide, mas, em compensação, a Esfinge tem o seu
rosto (e não o de uma mulher, como muitos acreditam), além de corpo de
leão e asas de águia.
A pirâmide menor é a do sucessor de Quéfren, Miquerinos. Os
arqueólogos acreditam que as pequenas pirâmides do complexo de Gizé,
humildemente ao pé dessas três grandes, eram as sepulturas das rainhas
dos faraós.
Ao contrário do que a História consagrou, as pirâmides não foram
construídas por escravos, e sim por trabalhadores livres que até greves
promoveram. Bem, óbvio: liberdade para a Antiguidade, entenda-se. Os
operários das pirâmides eram, em sua maior parte, camponeses que deviam
pagar impostos ao faraó pela posse da terra. Durante o período das
cheias do Nilo, entre julho e setembro, eles eram convocados para o,
digamos, serviço público. Depois voltavam para trabalhar em suas terras.
Não é tão simples contar como era a vida no Egito. Porque a vida muda
com o passar do tempo, você sabe. Então, pense no seguinte: a história
do mundo Ocidental é narrada a partir do nascimento de Cristo, mais de
dois mil anos atrás. Certo. Tire dois mil anos da história do Antigo
Egito e ainda haverá outros milhares de anos a serem relatados. Para
simplificar, contabilize apenas a história do Egito centralizado
politicamente, o Egito dos faraós: são três mil anos. Três mil! Muita
coisa muda nesse pedaço de tempo.
Para tentar organizar essa história em sua cabeça, lembre-se que são
30 dinastias de faraós em 30 séculos. Não 30 faraós: 30 dinastias. O
unificador do Egito foi um faraó chamado Menés que viveu mais ou menos
em 3.300 Antes de Cristo. Nessa época, o Egito já era antigo de
milênios. Mas foi Menés quem conseguiu dominar os reinos do Alto e do
Baixo Egito. Ele foi o unificador do país. O Bismarck egípcio. A partir
dele, o Egito segue com surpreendente estabilidade por séculos. Essa
crônica se estende de Menés até a conquista de Alexandre, o Grande, por
volta de 300 Antes de Cristo.
Alexandre, no leito de morte, foi cercado por seus generais. Eles queriam saber a quem caberia seu império. Ele balbuciou:
- Ao mais forte.
E morreu.
Seguiu-se uma luta entre os generais, cada qual tomou um naco do
mundo. Ptolomeu ficou com o Egito. A partir de então, foram seus
descendentes, os Ptolomeus, que governaram o país. Cleópatra era dessa
linhagem. Era meio grega, meio egípcia, portanto. Com ela extinguiu-se a
história do Egito livre. Depois que a áspide picou o seio de Cleópatra,
o Egito se esfarelou no tempo. Hoje, aquele Egito não existe mais.
As realizações do Antigo Egito é que relataremos a seguir, no próximo capítulo de A História do Mundo.
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