EM SE PLANTANDO…
David Coimbra
Antes de Cabral chegar a Porto Seguro, um índio brasileiro não precisava de muito para viver bem.
Antes de Cabral chegar a Porto Seguro, um índio brasileiro não precisava de muito para viver bem.
Roupas?
Nenhuma. Fazia calor durante o dia e as noites eram amenas. Índios e índias viviam como haviam sido postos na terra: alegremente nus.
Precauções contra intempéries?
Desnecessário. No Brasil a terra não treme, a neve não cai e os furacões não sopram.
Produzir a própria comida?
Para quê? Como disse Pero Vaz de Caminha, a terra tudo dava. Bastava esticar o braço e arrancar o fruto da árvore, atirar a lança e espetar o peixe no rio cristalino, agachar-se e arrancar do solo a raiz da tuberosa.
A existência era fácil na América do Sul. Por que, então, alguém se daria ao trabalho de construir casas de pedra dura, abrir estradas largas e arar a terra? Por que alguém poria em movimento a roda da Civilização?
Os índios brasileiros não precisavam da Civilização.
A Civilização só existe se há necessidade dela. Quanto maiores as dificuldades, mais civilizado torna-se o homem. Pegue o Japão. O Japão nada mais é do que um conjunto de ilhas onde a terra não só é árida como sofre um terremoto por dia. Não é exagero: o Japão é um arquipélago com mais de seis mil ilhas, 426 destas habitadas. Todos os dias, uma dessas ilhas treme. Terremotos pequenos, para os quais os japoneses não dão a menor importância. Durante a Copa de 2002, experimentei um terremotinho no Japão. Mal dava para perceber, mas, para um ocidental, foi emocionante.
Os japoneses sabem que algum dia ocorrerá o Grande Terremoto Tokai. Esse terremoto com nome próprio acontece mais ou menos a cada bloco de 150 anos. Os cientistas japoneses dizem que o próximo até está atrasado. O Tokai se dará na província de Shizuoka, partirá o Monte Fuji ao meio e arrasará Tóquio. As autoridades acreditam que, se previrem o Grande Terremoto com 24 horas de antecedência, conseguirão evacuar a capital. Fazer a evacuação de 13 milhões de pessoas em um único dia parece improvável. Mas não para os japoneses. Organizados, metódicos, racionais e cumpridores da ordem, os japoneses alcançaram o ápice da Civilização. Em nenhum outro lugar do mundo as pessoas são tão educadas e respeitadoras.
Por quê?
Porque precisam.
Exatamente devido às dificuldades geográficas: à aridez da terra, aos terremotos, aos tsunamis, aos tufões. A vicissitudes do Japão fizeram-no o país mais civilizado do planeta.
Assim foi com o Egito.
O Egito se situa no nordeste da África, ao longo dos três mil quilômetros de comprimento do Nilo. Para os lados, as cheias do rio se estendiam por 15 quilômetros. Essa a área agriculturável. Mas, para plantar nesse terreno, o camponês devia canalizar o rio e puxar canais de irrigação, devia erguer um local seguro para esperar as cheias e estocar a colheita, devia construir poços e ferramentas. Tudo isso é complicado. Um homem sozinho, ou ele e sua família, não consegue dar conta de todo esse trabalho. É preciso tecnologia e colaboração de outras pessoas. É preciso organização. Desta forma, nasceu o Estado egípcio.
O Estado dava aos camponeses a tecnologia que lhes permitia plantar e colher. Os camponeses, em troca, pagavam impostos. No princípio, cerca de 4 mil anos a.C., o Estado era organizado em pequenas províncias chamadas de nomos. Eram 22 nomos espalhados do Alto ao Baixo Egito, uma organização muito parecida com as capitanias hereditárias brasileiras. Os coordenadores do Estado, que em geral eram os grandes proprietários, eram chamados de “nomarcas”. Seriam os governadores das províncias ou os pequenos reis da Idade Média europeia. Mas havia necessidade de unificação. Para dar mais implementos aos trabalhadores da terra e para defendê-los das invasões dos povos nômades. Por óbvias questões geográficas, dois arremedos de países foram fundados, o Alto e o Baixo Egito. Até que surgiu Menés, o unificador. Ele uniu os dois reinos e, como símbolo desta façanha, adornou a cabeça com uma coroa dupla, e pôs nas mãos dois cetros. Em seu tempo, cerca de 3.200 a.C., já havia 42 nomos. Começou aí o Reino Antigo do Egito, que durou mil anos. Nesses 10 séculos foram erguidas as pirâmides.
O Egito permaneceu bastante estável nesse período, graças a sua situação geográfica. De um lado havia o Mar Vermelho; do outro, o Deserto do Saara. O país manteve-se isolado da influência estrangeira e, por isso, pouco mudou. Um dos faraós dessa época, Pepi II, governou por 94 anos, de 2.738 a 2.644 a.C., o mais longo reinado da História. Depois dele houve alguma instabilidade. Faraós eram elevados ao trono e, em seguida, derrubados. Até que subiu ao poder Amenemhet I, que, com mão forte, restaurou a ordem, mudou a capital de Mênfis para Tebas e fez o país prosperar. Tratava-se de um sábio no comando dos homens. Prova-o um rolo de papiro em que estão inscritos os conselhos que ele deixou para seu filho e sucessor:
“Ouve com atenção o que te digo,
Para que venhas a ser rei da Terra,
Para que possas prosperar:
Endurece com todos os subordinados -
O povo só dá atenção a quem o aterroriza;
Não te aproximes de ninguém mal guardado,
Não te abras com um irmão,
Não reconheças um amigo,
Quando no sono, guarda para ti mesmo o teu coração,
Porque um homem não tem amigos no dia da desgraça.”
Agora repita essa frase até decorá-la:
“Um homem não tem amigos no dia da desgraça.”
Imprima-a na alma. É uma sabedoria de 40 séculos. Uma sabedoria eterna.
Vou deixar que você reflita um pouco sobre este ensinamento, vou fazer uma pausa. Porque o próximo capítulo será empolgante. Falaremos sobre o Reino Médio e voltarão à cena os sempre eloquentes heróis bíblicos.
Aguarde!
Nenhum comentário:
Postar um comentário