23 de setembro de 2011

TV brasileira: cada vez pior

Um dos meus primeiros post publicados aqui no blog se referia ao retorno do Big Brother no inicio deste ano. Teci alguns comentários gerais sobre a péssima qualidade da programação televisiva brasileira. Depois disso pesquisei mais sobre o assunto e percebi que muito se fala e nada se faz para, efetivamente, mudar esse quadro deprimente.
A programação da TV aberta está cada vez pior. Com algumas poucas exceções a programação da televisão é uma grande porcaria. Os canais de Televisão priorizam programas de baixa qualidade, com baixo custo. Mesmo tendo acesso a muitos canais, não consigo achar nada de produtivo na TV brasileira. Programas como o do Ratinho, o Superpop, Quem Convence Ganha Mais, entre outros, tomam conta do horário nobre dos principais canais da TV aberta.
Algumas emissoras até ameaçam apresentar algumas coisas boas, como seriados. A Rede Globo apresenta suas próprias produções que, na maioria das vezes, são de gosto duvidoso, para não dizer péssimo. Quando compram algum seriado americano de boa qualidade esses são apresentados na madrugada, onde a maioria dos mortais não assiste. O SBT tem vários bons seriados em sua grade, mas também são apresentados na madrugada. Enquanto isso, somos obrigados a olhar o Ratinho, ou então desligar a TV.
Temos ainda a possibilidade de assinar as televisões pagas, mas isso ainda é muito caro no Brasil. Quem gosta de seriados tem optado por baixar diretamente da Internet seus seriados favoritos. Eu, por exemplo, faço isso, pois não consigo ficar muito tempo em frente a televisão com uma programação tão pobre como a maioria esmagadora dos canais do Brasil.
Eu já apresentei um post ensinando um jeito prático de baixar e assistir as séries produzidas nos Estados Unidos e algumas no Reino Unido. Enfim, no tutorial que apresentei é possível baixar praticamente qualquer série da televisão mundial, além de filmes.

21 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 19

David Coimbra

Olhe para você.
Veja no que você se transformou.
Você passa a noite ressonando em cima de um colchão macio como as canelas da Fernanda Lima e debaixo de cobertores quentes como o olhar da Megan Fox. Seu quarto provavelmente é climatizado. Você não saberia mais viver sem Split e controle remoto. Seu travesseiro é perfeito para a curva do seu pescoço, você tem dificuldades de dormir quando está sem ele. Ao levantar-se, você calça suas confortáveis chinelas de feltro, desliza para o banheiro da sua suíte, escova os dentes com um creme sabor tutti frutti e faz gargarejos com um antisséptico bucal sabor menta. Você senta à mesa do café da manhã e à sua frente já está deitada no pires de porcelana uma fatia de mamão-papaia limpa de sementes. Ao lado, aguardam um copo de suco de laranja, uma xícara de café fumegante e uma fatia de pão preparado com sete grãos, suavemente besuntada com geleia de amoras.
Assim você começa o seu dia. Depois, você sai por aí dentro de suas calças jeans e sua camisa polo, entra no seu carro com direção hidráulica e atende ao celular. Ao desligar, pensa nos seus compromissos e suspira:
- Que dureza, que dia a dia corrido, o meu. Essa vida é mesmo uma selva!
Uma selva?! Vida dura?! Você é um efeminado, isso sim! Você perdeu o contato com o cerne da vida! Com o barro da existência. Você é o produto acabado, aliás mal-acabado, dessa distorção da ordem natural das coisas que se chama Civilização. Porque as coisas não tinham de ser assim. Não eram assim. Na maior parte do tempo da existência do homem na Terra, tudo era visceral, tudo era simples. Você não sentiria falta de seu travesseiro fofo, porque estaria acostumado a apoiar a cabeça numa pedra dura. Você também não sentiria falta do celular, porque, juro por Deus, houve um tempo em que as pessoas conseguiam viver sem celular.Você seria um nômade. Não teria casa, não plantaria, nem colheria. Não moraria em nenhum país, estado ou cidade porque não existiriam países, estados e cidades. Não existiriam leis. A propriedade estaria limitada a alguns poucos bens que você pudesse carregar. Você poderia pegar o que quisesse da natureza, sem ter de pedir permissão a quem quer que fosse, porque nada seria de ninguém e ninguém seria de ninguém.
Haveria algumas desvantagens, é claro: você provavelmente morreria jovem, já que a medicina não seria muito desenvolvida, não existiria penicilina, nem planos de saúde, nem check-up, nem, oh, Cristo!, Engov. Em compensação, você poderia fazer sexo com quem bem entendesse, quando bem entendesse e onde bem entendesse, você não trabalharia, não teria chefe nem horário para acordar ou dormir, você não ficaria preso em engarrafamentos e não teria de vestir terno e gravata nos casamentos porque, e isso é especial, NÃO HAVERIA CASAMENTO!
Já pensou? Não haveria casamento, nem noivado, nem namoro, nada disso, por que ninguém entenderia o conceito de, cruz credo, monogamia.  As pessoas viveriam em regime de regime algum, em liberdade total, sem família, sem posses, sem leis. Os filhos seriam de todo o clã, bem como a comida e os poucos utensílios. Pense em todas as coisas dispensáveis da vida, como a política e a economia. Nada disso existiria. A vida seria só viver, como deve ser.
Foi assim um dia, por muitos dias.
Por que mudou?
O que fez de você o que você é hoje?
Aí está: foi um movimento, um único movimento em direção ao conforto. Alguém resolveu parar. Cansou de deslocar-se de um lugar para outro, encontrou um terreno perto de um rio, com clima ameno e algum bosque nas imediações. Ali ele não precisava nem plantar. Só precisava colher algumas frutas e raízes e cuidar de seus animais. Mas, para ficar ali, ele precisaria levantar uma casa. No começo, certamente apenas um teto. Mas essa foi a diferença. No momento em que o engenho humano foi empregado para construir o conforto inaugural, no momento em que o homem pela primeira vez modificou a natureza em seu benefício, foi como uma faísca iniciando um incêndio. Porque, depois do teto, o homem deduziu que poderia erguer paredes para proteger-se do vento. Em seguida, compreendeu que, se abrisse janelas nas paredes, teria um ambiente arejado e iluminado. Para construí-las, precisaria de ferramentas. E tudo começou. Uma facilidade levou a outra necessidade, que levou a uma invenção, que fez o homem compreender que poderia inventar mais para criar outras facilidades que satisfariam outras necessidades. Assim por diante. E agora você bebe refrigerantes diet e aquece o quiche no forno de micro-ondas, você se irrita porque sua TV não tem HD e porque seu celular não tem 3G. Você se amolentou nas amenidades da Civilização.
Mas a Civilização só ergueu amenidades em torno do homem porque, antes, em torno do homem havia dificuldades. A Civilização surgiu onde a vida era precária, mas nem tanto. Não por acaso, brotou às margens de alguns rios. Não quaisquer rios, mas rios com uma geografia particular.
Por que a Civilização não surgiu ao longo do caudaloso Amazonas? Ou do bucólico Reno? Por que surgiu entre o Tigre e o Eufrates e ao comprido do Nilo?
Resposta: porque ao longo do caudaloso Amazonas e do bucólico Reno a Civilização era dispensável. Os homens tinham caça e coleta em abundância por espaços aparentemente infinitos. É do que precisam os nômades.
Peguemos um exemplo de nômades clássicos: os índios brasileiros. A forma de vida deles é bastante simples. Um grupo de índios se estabelece em um local em que haja água e caça em abundância. Ali eles pescam, caçam e colhem. Não erguem edifícios, não rasgam estradas, não plantam, nem aram a terra. Apenas tiram da Natureza o que a Natureza proporciona. Se você é ecologicamente correto, deve estar suspirando de nostalgia e ouvindo os passarinhos cantando, só de pensar nos primeiros donos da Terra Brasilis. Ilusão sua. Os índios não eram nada ecológicos. Durante sua estada no local, exauriam todos os recursos sem dó nem pejo. Depois que o lugar estava infestado de lixo e quase sem animais para caçar, eles se mudavam com suas tangas e tacapes para devastar outro terreno. Por maldade? Por má intenção? Não. Porque simplesmente era assim. Toda essa história de consciência ecológica é algo muito recente, que, como tudo na vida, surgiu de novas necessidades humanas.
Necessidades.
Nas margens do Nilo e entre o Tigre e o Eufrates havia mais necessidades e menos fartura. Não havia tanto espaço, nem Natureza tão exuberante. A área tornada fértil pelas cheias do Nilo se estendia, em média, por 15 quilômetros. A leste e a oeste espalhavam-se, ameaçadoras, as areias do deserto. Na região do Tigre e do Eufrates, mais ou menos a mesma situação: uma faixa de vida rodeada pela aridez, pelo calor sufocante e pelos animais peçonhentos.
A vida nômade, portanto, era quase inviável. A região não era dotada de recursos suficientes para esse confortável meio de sobrevivência. Os povos que ali se estabeleceram compreenderam que não poderiam ficar se mudando a todo momento. Não poderiam mais ser nômades.
A Civilização era necessária.

16 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 18

A TERRÍVEL ORDEM DE DEUS
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que aquele deus não era exatamente o deus dos cristãos. Aquele deus, o “Inefável”, era definido pelas consoantes hebraicas YHVH. Um deus tão temido que Seu nome não poderia ser pronunciado. Mesmo assim, pronunciaram. Provido de consoantes, YHVH tornou-se Javeh, aportuguesado para Javé e suavizado para Jeová. Um ex-centromédio do Grêmio que protegia muito bem a zaga, Jeovânio, prestava, com seu nome, homenagem a Jeová.
Jeová, como você já sabe de sobejo, era o deus do Velho Testamento, denominação que só existe para os cristãos. Para os judeus, chamar o Velho Testamento de Velho Testamento seria admitir que existe um Novo Testamento. Para eles não existe. Para eles, a Bíblia é formada apenas pelos 46 livros que, na essência, ficaram prontos 200 anos antes de Jesus nascer. Para os cristãos são entre 70 e 73 livros, dependendo da vertente.
Na Bíblia hebraica, o Tanah, o deus é muito diferente daquele descrito por Jesus. Ele é um deus ciumento, colérico e belicoso. O Deus dos Exércitos. Um Deus que escolheu um povo em detrimento dos outros, escolha que, não raro, converteu-se em um fardo para esse povo. Porque Jeová era dado a impingir punições duras, como as que desabaram sobre Sodoma e Gomorra, além de vinganças e provações. A mais cruel de todas, certamente, aquela imposta a Abraão: o filicídio.
A mulher de Abraão, Sara, era estéril. Para não deixar o marido sem descendência, ela foi sensata como deveria ser toda mulher: escolheu, com seus próprios olhos, uma escrava para que se refestelasse com Abraão e, por consequência, reproduzisse. Deu certo. Reproduziram. Foi gerado um menino a quem Abraão deu o nome de Ismael, “Deus ouviu” em hebraico, porque Deus ouvira suas preces e lhe dera um filho.
Porém, quando Sara já tinha 90 anos, e Abraão 100, um anjo apareceu e anunciou que ela ficaria grávida. Ela deu risada. Ficou grávida. Teve o filho, e Abraão chamou-o de Isaac, que significa “ele riu”. No caso, ela riu.
Por essa altura, Ismael tinha 13 anos de idade. Sara, temendo que o menino mais velho se tornasse o principal herdeiro da família, convenceu Abraão a mandá-lo embora, junto com a mãe. Sara deve ter incomodado muito Abraão, você sabe como as mulheres incomodam quando querem uma coisa. Não suportando mais a insistência da mulher, ele expulsou a escrava e o menino para o deserto em condições precárias, munidos com nada mais do que um odre d’água e um pouco de pão. Fosse por Abraão, eles morreriam de sede, mas Jeová providenciou uma fonte d’água, os dois se salvaram e Ismael transformou-se no patriarca de todos os povos árabes, que hoje, ameaçadores, cercam os seus meio-irmãos hebreus por todos os lados.
A ciência, se não chega a confirmar essa história, fornece-lhe um aval. Agora, no século 21, uma pesquisa realizada em conjunto por cientistas de cinco países, entre eles Estados Unidos e Israel, mostrou que palestinos, sírios, libaneses e judeus têm forte parentesco genético entre si. O estudo comparou o DNA de 1.300 homens árabes e judeus de 30 países. Os exames mostraram esses povos possuem um ancestral comum, possivelmente os semitas ocidentais, que teriam habitado o Oriente Médio há pelo menos 4 mil anos. Esse ancestral bem pode ter se chamado Abraão, um nome comum na época.
Mas, voltando ao drama do patriarca: Abraão ficou tão-somente com Isaac como filho. E foi esse filho que Jeová exigiu em sacrifício. Falou, com sua voz de Cid Moreira:
“Abraão! Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac, e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicarei!”
Abraão obedeceu sem discutir. No dia seguinte, tomou um jumento, dois servos e o filho e foi para o local indicado. Depois de três dias, encontrou o lugar. Amarrou o filho a uma pedra, como se fosse um cordeiro. Empunhou uma faca de bom corte. Ergueu a mão. Estava prestes a degolar o menino, quando Jeová gritou lá de cima com alguma aflição na voz de tenor:
“Abraão! Abraão! Não estendas tua mão contra o menino e não lhe faças nada! Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu único filho!”
Era um teste!
Agora pense no que representa essa história. Eu, se fosse Abraão, recusaria com veemência o pedido do Senhor. Diria:
“Que tipo de divindade é você, que pede o assassinato de uma criança?”
E se Ele insistisse, eu repetiria:
“Não! Pode arranjar outro patriarca!”
Mas, se eu fosse adiante, amarrasse o menino e só tivesse minha mão assassina detida no último instante, aí sim me enfureceria. Xingaria-O:
“O Senhor não sabe de tudo? Não é onisciente, onipotente e onipresente? Não vê tudo, inclusive dentro dos corações dos homens? Então, que espécie de cilada é essa? Foi só para me torturar? Foi só por sacanagem? Pode arranjar outro patriarca!”
Eu não seria um bom protagonista para essa história, portanto. Porque o autor da história, o que ele pretendia com ela era exaltar a fé de Abraão, para que essa fé servisse de exemplo e guia a todo um povo, como serviu.
A fé, era isso que o autor queria propalar. A fé, que é base de todas as religiões. A fé, que, Mencken já definiu, é a crença ilógica na ocorrência do improvável. Foi essa fé que manteve unido o povo hebreu por quase 40 séculos. A fé, que existe dentro de cada homem, nada mais é do que a necessidade de acreditar em algo além do homem, em uma razão excelsa para existir. O autor da Bíblia precisava instilar uma fé inamovível, extrema, inabalável, completa, caso contrário não conseguiria manter unido o seu povo. E, o mais importante, não conseguiria dar seguimento ao projeto da Civilização.
Isso é fundamental. Isso é decisivo. A Civilização é antinatural. A Civilização é uma violência. Tudo, no homem, chama o homem para a vida que ele levava antes da Civilização. O homem quer comer e beber o que bem entender, quando bem entender, da forma que bem entender; o homem quer tomar para si o que deseja; e, sobretudo, o homem quer fazer sexo sem restrições. Mas ele não pode! Por que não pode? Porque a Civilização impede. Mas a Civilização não existiu desde sempre na história do mundo. A Civilização é uma novidade de 12 mil anos. Como a Civilização conseguiu reprimir esses desejos humanos?
Para que a Civilização vencesse, como venceu, seria preciso um apelo muito poderoso, algo sublime, intangível, maior do que a própria natureza:
Deus.
A Lei, hoje, é um acordo entre os homens de uma comunidade. Se você desrespeita a Lei, sofre a repressão dos homens. Logo, você a respeita por medo da repressão. Mas, se você tem a certeza de que não será alcançado pela repressão, o que o impede de tomar à força uma mulher que deseja e possuí-la? O que o impede de ocupar aquela casa que você cobiça? Você diria que isso não é certo. Por que não é certo? Quem disse que não é? Além disso, o certo e o errado são subjetivos. O que é certo aqui pode ser errado ali adiante. Retomo, pois, a pergunta: como a Civilização conseguiu coibir o egoísmo, a ganância e o desejo humano?
Graças a Deus.
Os patriarcas da Humanidade, os homens que fizeram as primeiras leis, precisavam de um respaldo inquestionável. Esse respaldo era Deus. Deus não gosta que os homens matem, roubem ou cobicem a mulher do próximo. Deus deu a Lei aos homens. Mas os homens só cumprirão a Lei se acreditarem em Deus. Se tiverem fé. Uma fé inquebrantável. Uma fé que não admite discussões. A ponto de um homem assassinar o próprio filho, seu único e amado filho, se Deus assim ordenar. Abraão, portanto, é um exemplo: ninguém poderia passar por maior provação do que ele. E ele manteve sua fé. Jamais duvidou. Jamais pensou em fazer ponderações diante de uma ordem do Todo-Poderoso. É o que a Civilização exige todos os dias do homem. O homem tem de renunciar aos seus instintos porque a Civilização determina. Eis o resumo do drama do homem sobre a Terra: o homem passa todos os dias da sua existência lutando contra si mesmo. De um lado, Deus e a Civilização. Do outro, a natureza humana. Que luta desigual. Que tragédia para a natureza humana.

15 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 17


SODOMA & GOMORRA. E AS FILHAS DE LOT
Os arqueólogos suspeitam que Sodoma, Gomorra e mais outras três cidades, Zoar, Admá e Zebolim, ficavam encravadas em um lugar aprazível chamado Vale dos Campos, que hoje dorme sob as águas densas do Mar Morto. Se for verdade, as cidades logo brotarão do fundo do mar, que na verdade não é um mar, é um lago. É que o Mar Morto já perdeu um terço da sua área, devido ao uso que Israel e Jordânia fazem das águas do seu principal afluente, o Rio Jordão.
Há 3.800 anos, Sodoma e Gomorra faziam e aconteciam na superfície. Segundo a Bíblia, o pecado dos habitantes das cidades era “muito grande”. O que faziam? Presumivelmente, os sodomitas sodomizavam-se e os gomorritas gomorrizavam-se, o que deve ser horrível. Deus, então, teria falado com Abraão a respeito e anunciado suas intenções de destruir as cidades pecadoras com fogo e enxofre, o que é mais horrível ainda. Abraão decidiu interceder pelos sodomitas e gomorritas. Seguiu-se, então, uma espetacular negociação entre Abraão e o Senhor. Abraão argumentou, apelando para os bons sentimentos do Todo-Poderoso:
“Fareis o justo perecer com o ímpio? Talvez haja 50 justos na cidade: fá-los-eis perecer? Não perdoaríeis antes a cidade em atenção aos 50 justos que nela se poderiam encontrar? Não, Vós não poderíeis agir assim, matando o justo com o ímpio, e tratando o justo como o ímpio! Longe de Vós tal pensamento. Não exerceria o Juiz de toda a Terra a justiça?”
Ouvindo aquilo, o Senhor ponderou sobre os argumentos de Abraão e cedeu:
“Se eu encontrar em Sodoma 50 justos, perdoarei toda a cidade em atenção a eles”.
Um a zero para Abraão. Mas ele devia suspeitar que a probabilidade de encontrar 50 justos em Sodoma era pequena, porque, ardiloso, prosseguiu:
“Não leveis a mal se ainda ouso falar ao meu Senhor, embora seja eu pó e cinza. Se por ventura faltar cinco aos 50 justos, fareis perecer toda a cidade por causa desses cinco?”
E o Senhor:
“Não a destruirei se nela encontrar 45 justos!”
Abraão não se deu por satisfeito. Continuou:
“”Mas talvez só haja aí 40…”
“Não destruirei a cidade por causa desses 40″, respondeu o Senhor.
E Abraão, cheio de humilde malandragem:
“Rogo-Vos, Senhor, que não Vos irriteis se eu insisto ainda… Talvez só se encontrem 30…”
O Senhor, do alto de Sua proverbial paciência, respondeu:
“Se eu encontrar 30, não o farei!”
Mas Abraão, testando ainda mais os limites do Todo-Poderoso, foi em frente:
“Desculpai, se ouso ainda falar ao meu Senhor: pode ser que só se encontrem 20…”
E o Senhor, decerto depois de um suspiro celestial:
“Em atenção aos 20, não a destruirei!”
Abraão, arrojado, seguiu com seu plano:
“Que o Senhor não se irrite se falo ainda uma última vez! Que será, se lá forem achados dez?”
E Deus, provando que tem uma tolerância bem maior do que a minha, por exemplo, concordou:
“Não a destruirei por casa desses dez!”
E se retirou, antes que Abraão voltasse a incomodar.
Você pode tirar muitas interpretações do diálogo. Eu, aqui, vejo a vocação para a negociação que têm os povos árabes e judeus, dos quais Abraão é o pai.
De qualquer forma, Deus investigou e não encontrou justo algum em Sodoma e Gomorra.
As cidades seriam destruídas.
Para isso, Ele enviou dois anjos a Sodoma. Os anjos bateram à porta de Lot, o sobrinho de Abraão, que os recebeu muito bem, ofereceu-lhes um banquete, camas confortáveis e tudo o mais que a gente deve proporcionar a anjos quando eles aparecem na nossa casa, sobretudo se são anjos brabos, como aqueles. Depois de comer e beber, os anjos estavam prestes a se recolher. Precisavam descansar. Afinal, teriam muito o que fazer no dia seguinte. Destruir cidades inteiras a fogo e enxofre é trabalho duro.
Bem. Eles ainda não haviam se deitado, quando todos na casa se sobressaltaram com fortes batidas na porta. Eram os sodomitas, que gritavam:
– Lot! Onde estão os homens que entraram essa noite em tua casa? Conduze-os a nós para que os conheçamos…
Você sabe qual é a acepção do verbo “conhecer” na Bíblia. Quer dizer: os sodomitas queriam sodomizar os anjos. Lot se apavorou. Foi até o limiar da porta, fechou-a atrás de si e pediu que eles não fizessem aquilo.
– Tenho duas filhas que ainda são virgens – disse Lot. Eu vo-las trarei, e fazei delas o que quiserdes. Mas não façais nada a esses homens, porque se acolheram à sombra do meu teto.
Lot ofereceu as próprias filhas aos sodomitas!
Mas os sodomitas não aceitaram a proposta. Queriam porque queriam os anjos. O que nos força a uma dedução a respeito das filhas de Lot. Mantidas virgens em plena Sodoma e recusadas pelos sodomitas, que, a elas, preferiram dois homens, embora fossem belos como anjos, bom, isso só pode significar que as filhas de Lot eram no mínimo feinhas.
Assim, os habitantes de Sodoma pedalaram a porta da casa de Lot e estavam prestes a fazer sexo com os anjos, o que deve ser um pecado grave. Só que os anjos têm seus recursos e artimanhas. Antes que os sodomitas pusessem as mãos ávidas neles, o Senhor intercedeu e cegou-os a todos de um golpe.
Ao amanhecer, portanto, as cidades seriam destruídas inapelavelmente. Os anjos mandaram que Lot, sua mulher e as filhas fugissem para a montanha, não se detivessem em parte alguma e não olhassem para trás. Ao que, Lot argumentou:
“Oh, não, Senhor! Já que vosso servo encontrou graça diante de vós, e usaste comigo de grande bondade, conservando-me a vida, vede: eu não posso salvar-me na montanha, porque o flagelo me atingiria antes e eu morreria. Eis uma cidade bem perto onde posso abrigar-me. É uma cidade pequena e eu poderei refugiar-me nela. Permiti que eu o faça, e terei a vida salva”.
E o Senhor, compreensivo, retrucou:
“Concedo-te ainda esta graça. Não destruirei a cidade a favor da qual me pedes. Apressa-te e refugia-te, porque nada posso fazer antes que lá tenhas chegado”.
A cidade recebeu o nome de Segor, que significa “pequena”.
E aí esbarramos em outra história ilustrativa da Bíblia: Lot não quis ir para as montanhas, antes pediu para se mudar para uma cidade, ainda que pequena. Ou seja: rejeitava o nomadismo por completo. No velho estilo de vida, não sobreviveria. Precisava, desesperadamente, de uma cidade, qualquer que fosse, mas uma cidade.
No caminho para Segor, em meio ao deserto, ocorreu aquele incidente famoso: a mulher de Lot, cujo nome a Bíblia não cita, não resistiu à curiosidade e olhou para trás, desobedecendo o Senhor. Como o Senhor não admite desobediência, transformou-a em uma estátua de sal. Os cientistas acreditam que Sodoma e Gomorra tenham sido vitimadas pela erupção de um vulcão. O Mar Morto situa-se a 400 metros abaixo do nível do mar, o mais baixo local habitado em todo o planeta. Numa de suas margens, eleva-se um paredão de sal e calcário, com formas estranhas, algumas delas parecendo humanas. Uma dessas é apontada pelos moradores do lugar como a estátua da mulher de Lot.
Como nada na Bíblia está lá por acaso, eu aqui interpreto essa lenda como uma reprimenda à irresistível curiosidade que é característica do gênero feminino. Cuidado, garotas: certas descobertas podem transformá-las em estátuas de sal.
Enfim.
Curiosamente, na continuação desse capítulo do Gênesis, Lot sai de Segor por temer algum perigo não explicitado pelo autor, e vai se refugiar em uma caverna na montanha. Aí, no escuro da caverna, dá-se um incidente extraordinário que é tratado com inexplicável naturalidade pela Bíblia. Como não havia homem pelas imediações, as filhas de Lot traçaram um plano: embriagaram o pai e, de acordo com o autor, “dormiram” com ele, primeiro a mais velha, depois a mais nova, uma noite depois da outra. Cada uma gerou um filho: Moab, o pai dos moabitas, e Bem-Ami, pai dos amonitas. Um terrível caso de incesto, mas nem a Bíblia nem o Senhor tecem considerações a respeito.
E nós, o que entendemos que o autor quis dizer com essa história? Óbvio: que as mulheres fazem qualquer coisa para ter um filho. Mas existe outra conclusão subjacente. Note: Lot não queria ir para as montanhas, queria ir para a cidade. Sua opção foi pela Civilização. Quando teve que fugir da Civilização e se refugiar na caverna, o que aconteceu? Ele e sua família voltaram aos tempos selvagens do nomadismo. Um tempo em que até o incesto era praticado e aceito.
As aventuras dos patriarcas continuam palpitantes pelas páginas do Gênesis, repletas de mensagens para o gênero humano, até que ocorre um dos incidentes mais espantosos da Bíblia: Deus manda Abraão matar o próprio filho.

12 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 16

SEXO E SANGUE, SEXO E SANGUE
David Coimbra

Sexo e sangue.
As pessoas gostam de histórias com sexo e sangue.
Sexo e sangue sobejam na que contarei a seguir.
Está tudo na Bíblia. Há quem diga que isso pode desacreditar a história. Claro que não. Historicamente, a Bíblia deve ser encarada como a leitura dos hieróglifos pintados nas paredes dos túmulos egípcios ou como as inscrições nas estelas macedônicas: ali há muito de lenda, mas também há muito de verdade. Até porque a lenda conta algo a respeito de quem a concebeu. O que o autor pretendia ao contar aquilo como um acontecimento real? Que reação esperava do seu público? A natureza da mentira diz muito a respeito do mentiroso. O enredo do romance revela muito da alma do romancista.
A Bíblia relata a história do povo judeu. Começa com o Gênesis, o engenhoso mito da criação do mundo e do primeiro casal humano, segue pelo dilúvio, que, você já sabe, provavelmente foi uma grande enchente do Rio Eufrates. Tudo aquilo de que já falamos. O Gênesis é um livro genial, um texto poderoso repleto de significados enviesados, de mensagens recônditas, de interpretações psicológicas, antropológicas e filosóficas. Por exemplo: o Gênesis deixa bem posto, no capítulo do assassínio de Abel por Caim, que a Civilização é a desgraça do homem. O ideal de Deus e da Natureza seria a vida nômade e sem regras de Adão e Eva, que viviam pelados, pintados de verde, num eterno domingo.
Mas o homem desistiu daquela vida de liberdade e optou pelas amarras da Civilização. Deus não aprovou. A prova está em outro trecho do Gênesis pulsante de significados. É um capítulo intitulado “Corrupção da humanidade”:
“Quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a Terra, e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas, e escolheram esposas entre elas. O Senhor então disse: ‘Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne, e a duração de sua vida será só de 120 anos’. Naquele tempo, viviam gigantes na Terra, como também daí por diante, quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e elas geravam filhos. Estes são os heróis, tão afamados nos tempos antigos”.
Era a Bíblia introduzindo no espírito humano a noção de que sexo é pecado. Em resumo, com a Civilização o sexo tornou-se pecado. Porque o cimento da Civilização é a PROPRIEDADE, que é transmitida por HERANÇA, que é garantida pela FAMÍLIA, que só se mantém se existe a FIDELIDADE CONJUGAL. Tome esses quatro termos que escrevi em maiúsculas, some-os e você compreenderá o que é a Civilização.
O sexo livre, portanto, tornava-se pecado. Tratava-se de uma ideia nova no mundo. Durante milênios, homens e mulheres fizeram sexo sem culpa. Agora, os hebreus condenavam as ânsias da carne. Quando isso se deu? A tradição bíblica afirma que o redator do Pentateuco foi Moisés, o que situaria a obra em cerca de 1.200 anos antes de Cristo, mas sabe-se que os autores foram vários e mais recentes. É provável que esse pensamento só tenha se desenvolvido na época dos profetas, que eram uns tipos sisudos e moralistas. Isso joga a noção de pecado da carne lá para o século sétimo antes de Cristo.
Mas o que importa são as intenções dos autores da Bíblia. O que eles pretendiam passar ao leitor com toda essa conversa de os filhos de Deus cobiçando as filhas dos homens, o homem abandonado por Deus por ser ele, homem, todo carne. São parábolas. Histórias ilustrativas.
Agora, é evidente, também, que nem tudo na Bíblia é ficção. O primeiro personagem histórico do Pentateuco, o primeiro que a Ciência admite que possa ter existido, foi Abraão, o patriarca das três grandes religiões monoteístas, o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo.
Abraão era da cidade de Ur, da Caldeia. Saiu de lá para tornar-se um seminômade. Vagava com sua família e seus animais pelo palco sempre agitado do Oriente Médio, vez em quando parava em uma cidade, comerciava e seguia em frente.
A vantagem dos nômades é que eles podem escapar rapidamente das intempéries. Uma enchente não leva tudo o que eles têm, porque eles nada têm. Ou quase nada. O que têm, carregam nos próprios braços ou nos lombos das mulas. Era o que faziam Abraão e os seus. Um dia, sobreveio uma seca e, por consequência, grande fome na região de Canaã. Abraão reuniu seu pequeno clã e partiu para o Egito. Antes de entrar no país, chamou sua mulher Sara, que então chamava-se Sarai, nome que acho muito mais gracioso, e disse-lhe:
“Escuta: sei que és uma mulher formosa. Quando os egípcios te virem, dirão: ‘É sua mulher’, e me matarão, conservando-te a ti em vida. Dize, pois, que és minha irmã, para que eu seja poupado por causa de ti, e me conservem a vida em atenção a ti”.
Abraão conhecia o mundo em que vivia. Chegando ao Egito, o faraó em pessoa encantou-se com Sarai e a incorporou ao seu harém. Com todo o respeito aos fiéis das três grandes religiões monoteístas, que são milhões, preciso comentar que Sarai devia ser uma mulher monumental, uma Megan Fox da pré-história. Porque, de acordo com a Bíblia, veja só o que aconteceu:
“Por causa dela, Abraão foi bem tratado pelo faraó, e recebeu ovelhas, bois, jumentos, servos e servas, jumentas e camelos”.
O faraó deve ter ficado muito contente com a mulher que lhe trouxe Abraão. Mas, nesse ponto, emerge uma imprecisão histórica da Bíblica: o camelo ainda não havia sido domesticado no tempo de Abraão. Isso só se deu cerca de 700 anos depois.
Em todo caso, o que nos interessa é que o faraó se repoltreou com Sarai. Do que o Senhor não gostou nem um pouco. Furioso, “feriu com grandes pragas o faraó e sua casa”. Ao que o faraó chamou Abraão e o recriminou:
– Por que me disseste que era tua irmã? Que me levaste a fazer?
Então, devolveu Sarai a Abraão e os mandou embora com tudo o que tinham.
O relato bíblico dá a impressão de que Abraão valeu-se da beleza de Sarai para amealhar patrimônio, mas isso também não é relevante. O relevante, aqui, é o fato de Abraão ter passado pelo Egito, demonstrando como os povos da região começavam a se interessar pelo grande país espreguiçado às margens do Nilo.
Abraão continuou a viver suas aventuras pelo Oriente Médio, na companhia de sua mulher Sarai e de seu sobrinho Lot. Em certo momento, Lot acomodou-se, com sua mulher e filhas, na cidade de Sodoma, vizinha de Gomorra.
Tenho certeza de que agora você se interessou mais pela história. Só porque leu esses nomes mágicos: Sodoma e Gomorra. De fato, essas duas cidades passaram para a posteridade como exemplos de pecado e de depravação. Sexo, as pessoas estão sempre pensando em sexo. Em homenagem à Sodoma e Gomorra, vamos então abrir um capítulo especial, intitulado… leia o título no próximo capítulo.

8 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 15

OS VAGABUNDOS DAS AREIAS
David Coimbra

Quando o nômade Abraão pisava na areia do Oriente Próximo com suas sandálias de couro, por volta de 1850 a.C., o Egito já era velho de mais de dois mil anos e o Reino Médio já contava um século e meio de história.
Até então, o Egito havia se mantido infenso a qualquer influência estrangeira. Autossuficientes e sofisticados, os egípcios chamavam os povos asiáticos de “os vagabundos das areias”. Apesar de o país estar cercado pelas areias dos desertos, não era sobre elas que os egípcios viviam e sim sobre a terra fertilizada pelo Nilo, que chamavam de “Terra Preta”, a terra da vida. O deserto que se estendia, ameaçador, rumo ao infinito era chamado de “Terra Vermelha”, a terra da morte. Não por acaso, foi na Terra Vermelha que eles plantaram as pirâmides. Ou seja: os seus túmulos.
A geografia, portanto, ajudava os egípcios a se isolarem. Porque, para acessá-los, outros povos tinham de atravessar o deserto de um lado ou o mar de outro. Também a política os mantinha intocados. O Egito era um país, ao contrário da maioria dos Estados de então, que eram cidades-estado.
O auge desse estado centralizado e progressista deu-se no reinado do faraó Amenemhat III, entre 1860 e 1814 a.C. Esse faraó foi um grande construtor. Fez barragens e canais que facilitaram a vida dos agricultores. Levantou uma pirâmide famosa, a chamada Pirâmide Negra, mas, por algum motivo, não quis ser sepultado nela e a deixou para servir de túmulo às suas rainhas. Ergueu também um palácio magnífico, um prédio suntuoso com mais de três mil salas. Para você ter ideia do que significa isso, lembre-se que o Palácio de Versalhes tem “apenas” 700 quartos. Os Luíses da França não amarravam a sandália canhota dos faraós.
Porém, ah porém, depois do auge inevitavelmente vem a decadência. Os sucessores de Amenenhat III envolveram-se em disputas com os governadores da província, o estado se enfraqueceu e alguns estrangeiros passaram a se infiltrar na região do Delta. Era o começo da mudança. Duas raças semíticas, em especial, transformariam o Egito para sempre. Uma delas foi a dos descendentes de Abraão, a outra foi a dos misteriosos guerreiros hicsos.
Esses hicsos vieram da Palestina. Eram conhecidos como os “Reis Pastores”. Na verdade, não passavam de bárbaros. Nômades famintos e sujos, vestidos com peles, incultos e sanguinários. Como conseguiram derrotar uma civilização muito mais avançada? Por terem algo que os egípcios não tinham:
O cavalo.
Usando cavalos e carros de guerra, os hicsos saquearam cidades, violentaram mulheres, assassinaram homens, queimaram casas, derrubaram monumentos e se fartaram à grande. Mas não foram embora; estabeleceram-se. E então a roda da vida pôs-se a girar. Porque o homem, uma vez preso à terra, busca a comodidade. Ele quer um teto para morar, quer uma mulher que lhe dê filhos, ele quer a comida farta e a bebida capitosa, ele quer se divertir em paz. Ele se civiliza. Então, engorda e amolece. E é conquistado por outros bárbaros inquietos que vêm de fora.
No caso dos hicsos, não foram bárbaros estrangeiros que os derrotaram, mas os próprios egípcios, que incorporaram o cavalo e o carro de guerra aos seus exércitos e, depois de 200 anos, um nada para um egípcio, expulsaram os invasores e retomaram o controle do país.
Começaria aí uma nova era de prosperidade. Mas antes de falar nela é preciso contar algo sobre outro povo que havia se infiltrado no outrora hermético Egito: os hebreus de Abraão. Eles merecem um capítulo à parte. O próximo de A História do Mundo.

6 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 14

EM SE PLANTANDO…


David Coimbra
Antes de Cabral chegar a Porto Seguro, um índio brasileiro não precisava de muito para viver bem.

Roupas?

Nenhuma. Fazia calor durante o dia e as noites eram amenas. Índios e índias viviam como haviam sido postos na terra: alegremente nus.

Precauções contra intempéries?

Desnecessário. No Brasil a terra não treme, a neve não cai e os furacões não sopram.

Produzir a própria comida?

Para quê? Como disse Pero Vaz de Caminha, a terra tudo dava. Bastava esticar o braço e arrancar o fruto da árvore, atirar a lança e espetar o peixe no rio cristalino, agachar-se e arrancar do solo a raiz da tuberosa.

A existência era fácil na América do Sul. Por que, então, alguém se daria ao trabalho de construir casas de pedra dura, abrir estradas largas e arar a terra? Por que alguém poria em movimento a roda da Civilização?

Os índios brasileiros não precisavam da Civilização.

A Civilização só existe se há necessidade dela. Quanto maiores as dificuldades, mais civilizado torna-se o homem. Pegue o Japão. O Japão nada mais é do que um conjunto de ilhas onde a terra não só é árida como sofre um terremoto por dia. Não é exagero: o Japão é um arquipélago com mais de seis mil ilhas, 426 destas habitadas. Todos os dias, uma dessas ilhas treme. Terremotos pequenos, para os quais os japoneses não dão a menor importância. Durante a Copa de 2002, experimentei um terremotinho no Japão. Mal dava para perceber, mas, para um ocidental, foi emocionante.

Os japoneses sabem que algum dia ocorrerá o Grande Terremoto Tokai. Esse terremoto com nome próprio acontece mais ou menos a cada bloco de 150 anos. Os cientistas japoneses dizem que o próximo até está atrasado. O Tokai se dará na província de Shizuoka, partirá o Monte Fuji ao meio e arrasará Tóquio. As autoridades acreditam que, se previrem o Grande Terremoto com 24 horas de antecedência, conseguirão evacuar a capital. Fazer a evacuação de 13 milhões de pessoas em um único dia parece improvável. Mas não para os japoneses. Organizados, metódicos, racionais e cumpridores da ordem, os japoneses alcançaram o ápice da Civilização. Em nenhum outro lugar do mundo as pessoas são tão educadas e respeitadoras.

Por quê?

Porque precisam.

Exatamente devido às dificuldades geográficas: à aridez da terra, aos terremotos, aos tsunamis, aos tufões. A vicissitudes do Japão fizeram-no o país mais civilizado do planeta.

Assim foi com o Egito.

O Egito se situa no nordeste da África, ao longo dos três mil quilômetros de comprimento do Nilo. Para os lados, as cheias do rio se estendiam por 15 quilômetros. Essa a área agriculturável. Mas, para plantar nesse terreno, o camponês devia canalizar o rio e puxar canais de irrigação, devia erguer um local seguro para esperar as cheias e estocar a colheita, devia construir poços e ferramentas. Tudo isso é complicado. Um homem sozinho, ou ele e sua família, não consegue dar conta de todo esse trabalho. É preciso tecnologia e colaboração de outras pessoas. É preciso organização. Desta forma, nasceu o Estado egípcio.

O Estado dava aos camponeses a tecnologia que lhes permitia plantar e colher. Os camponeses, em troca, pagavam impostos. No princípio, cerca de 4 mil anos a.C., o Estado era organizado em pequenas províncias chamadas de nomos. Eram 22 nomos espalhados do Alto ao Baixo Egito, uma organização muito parecida com as capitanias hereditárias brasileiras. Os coordenadores do Estado, que em geral eram os grandes proprietários, eram chamados de “nomarcas”. Seriam os governadores das províncias ou os pequenos reis da Idade Média europeia. Mas havia necessidade de unificação. Para dar mais implementos aos trabalhadores da terra e para defendê-los das invasões dos povos nômades. Por óbvias questões geográficas, dois arremedos de países foram fundados, o Alto e o Baixo Egito. Até que surgiu Menés, o unificador. Ele uniu os dois reinos e, como símbolo desta façanha, adornou a cabeça com uma coroa dupla, e pôs nas mãos dois cetros. Em seu tempo, cerca de 3.200 a.C., já havia 42 nomos. Começou aí o Reino Antigo do Egito, que durou mil anos. Nesses 10 séculos foram erguidas as pirâmides.

O Egito permaneceu bastante estável nesse período, graças a sua situação geográfica. De um lado havia o Mar Vermelho; do outro, o Deserto do Saara. O país manteve-se isolado da influência estrangeira e, por isso, pouco mudou. Um dos faraós dessa época, Pepi II, governou por 94 anos, de 2.738 a 2.644 a.C., o mais longo reinado da História. Depois dele houve alguma instabilidade. Faraós eram elevados ao trono e, em seguida, derrubados. Até que subiu ao poder Amenemhet I, que, com mão forte, restaurou a ordem, mudou a capital de Mênfis para Tebas e fez o país prosperar. Tratava-se de um sábio no comando dos homens. Prova-o um rolo de papiro em que estão inscritos os conselhos que ele deixou para seu filho e sucessor:

“Ouve com atenção o que te digo,


Para que venhas a ser rei da Terra,


Para que possas prosperar:


Endurece com todos os subordinados -


O povo só dá atenção a quem o aterroriza;


Não te aproximes de ninguém mal guardado,


Não te abras com um irmão,


Não reconheças um amigo,


Quando no sono, guarda para ti mesmo o teu coração,


Porque um homem não tem amigos no dia da desgraça.”

Agora repita essa frase até decorá-la:

“Um homem não tem amigos no dia da desgraça.”

Imprima-a na alma. É uma sabedoria de 40 séculos. Uma sabedoria eterna.

Vou deixar que você reflita um pouco sobre este ensinamento, vou fazer uma pausa. Porque o próximo capítulo será empolgante. Falaremos sobre o Reino Médio e voltarão à cena os sempre eloquentes heróis bíblicos.

Aguarde!

1 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 13

PÃOZINHO DE MÚMIA
David Coimbra

Um dos itens da dieta dos ingleses do século 19 eram deliciosos pãezinhos feitos com trigo fertilizado por… múmias egípcias de cinco mil anos de idade.
Sério.
Múmias.
Mais: múmias de gatos.
Em 1888, um fazendeiro egípcio, ao escavar a terra seca de sua propriedade, descobriu um imenso cemitério de múmias de felinos. Eram centenas de milhares delas, tantas que as crianças do vilarejo as colhiam do solo e as ofereciam por quaisquer trocados aos turistas ocidentais. Num tempo em que não havia raio x nos aeroportos, em que não havia nem aeroportos, os turistas enfiavam as múmias no fundo da bagagem e, ao chegar à Europa, as expunham na estante da sala, como se fossem berimbaus da Bahia ou sombreros mexicanos.
Outros europeus encontraram uso mais prático para as velhas múmias. Descobriram que, picadas, trituradas e transformadas em farelo, elas viravam eficientes fertilizantes. Assim, cargas enormes de múmias (ou seja, de mortos) eram transportadas nos navios. Um transatlântico chegou a transportar 180 mil múmias de gatos de um continente para o outro. Na Velha Álbion, as múmias milenares foram usadas para adubar a terra dos jardins de Liverpool.
A edição de novembro de 2009 da Revista National Geographic contou em detalhes essa história. Procure-a. É muito instrutiva. Porque conta algo importante a respeito dos egípcios: como eles valorizavam seus animais de estimação, bem como a ideia de preservar os corpos, todos os corpos, de bichos e de homens, para as aventuras na vida eterna.
Aí estão duas palavras essenciais para se compreender o Antigo Egito:
Vida
Eterna.
Os egípcios acreditavam que viveriam depois da morte e que, nessa nova existência, usariam o corpo que entrara em falência, se alimentariam da comida que os sustentava e se relacionariam com as criaturas que lhes haviam servido de companhia. Quando os bichos de estimação morriam, portanto, seus corpos também deviam ser preservados para que acompanhassem os donos pelo caminho reto da eternidade. Por isso, há espalhadas pelos museus do mundo múmias de gatos, de cachorros, de crocodilos e até de íbis, que, além de ser o pior time do mundo, é um pássaro pernalta que vive no Nilo e, segundo o poeta satírico romano Juvenal, “se alimenta de serpentes”. Eu mesmo já vi múmias de gatos e pequenos crocodilos. E, claro, de seres humanos.
As múmias humanas que atravessaram os milênios de Civilização em melhor estado são, evidentemente, as dos ricos. O processo de mumificação era caro e trabalhoso, como você já percebeu ao ler o texto de Heródoto. A areia e o clima seco do deserto ajudavam a preservar os corpos, mas, no caso de alguns faraós, foram seus túmulos monumentais que os conduziram à admiração da posteridade.
Estou falando das pirâmides.
“Toda a gente teme o tempo, mas o tempo teme as pirâmides”, diz um provérbio árabe. Compreensível. Não há como não se espantar com essas sepulturas magníficas. A maior das 80 que emergem das areias do Egito é a de Quéops, chamada de “A Grande Pirâmide”. Não por acaso: quando foi construída, em 2.500 Antes de Cristo, a Pirâmide de Quéops tinha quase 150 metros de altura. Algo como um prédio de 50 andares. Era toda revestida de mármore, imagine-a refulgindo à luz do deserto. Trata-se da estrutura mais pesada jamais erguida por mãos humanas: tem 2,5 milhões de blocos de pedra, cada um pesando, em média, duas toneladas e meia, os da base com 150 toneladas. Em 4.500 anos, a Grande Pirâmide perdeu uns 10 metros de altura. Porque os ladrões lhe roubaram todo o revestimento e porque o tempo faz diminuir prédios e pessoas.
A segunda maior pirâmide é a do filho de Quéops, Quéfren. Ele foi o segundo em tamanho de pirâmide, mas, em compensação, a Esfinge tem o seu rosto (e não o de uma mulher, como muitos acreditam), além de corpo de leão e asas de águia.
A pirâmide menor é a do sucessor de Quéfren, Miquerinos. Os arqueólogos acreditam que as pequenas pirâmides do complexo de Gizé, humildemente ao pé dessas três grandes, eram as sepulturas das rainhas dos faraós.
Ao contrário do que a História consagrou, as pirâmides não foram construídas por escravos, e sim por trabalhadores livres que até greves promoveram. Bem, óbvio: liberdade para a Antiguidade, entenda-se. Os operários das pirâmides eram, em sua maior parte, camponeses que deviam pagar impostos ao faraó pela posse da terra. Durante o período das cheias do Nilo, entre julho e setembro, eles eram convocados para o, digamos, serviço público. Depois voltavam para trabalhar em suas terras.
Não é tão simples contar como era a vida no Egito. Porque a vida muda com o passar do tempo, você sabe. Então, pense no seguinte: a história do mundo Ocidental é narrada a partir do nascimento de Cristo, mais de dois mil anos atrás. Certo. Tire dois mil anos da história do Antigo Egito e ainda haverá outros milhares de anos a serem relatados. Para simplificar, contabilize apenas a história do Egito centralizado politicamente, o Egito dos faraós: são três mil anos. Três mil! Muita coisa muda nesse pedaço de tempo.
Para tentar organizar essa história em sua cabeça, lembre-se que são 30 dinastias de faraós em 30 séculos. Não 30 faraós: 30 dinastias. O unificador do Egito foi um faraó chamado Menés que viveu mais ou menos em 3.300 Antes de Cristo. Nessa época, o Egito já era antigo de milênios. Mas foi Menés quem conseguiu dominar os reinos do Alto e do Baixo Egito. Ele foi o unificador do país. O Bismarck egípcio. A partir dele, o Egito segue com surpreendente estabilidade por séculos. Essa crônica se estende de Menés até a conquista de Alexandre, o Grande, por volta de 300 Antes de Cristo.
Alexandre, no leito de morte, foi cercado por seus generais. Eles queriam saber a quem caberia seu império. Ele balbuciou:
- Ao mais forte.
E morreu.
Seguiu-se uma luta entre os generais, cada qual tomou um naco do mundo. Ptolomeu ficou com o Egito. A partir de então, foram seus descendentes, os Ptolomeus, que governaram o país. Cleópatra era dessa linhagem. Era meio grega, meio egípcia, portanto. Com ela extinguiu-se a história do Egito livre. Depois que a áspide picou o seio de Cleópatra, o Egito se esfarelou no tempo. Hoje, aquele Egito não existe mais.
As realizações do Antigo Egito é que relataremos a seguir, no próximo capítulo de A História do Mundo.