29 de agosto de 2011

A mulher do gerente – Parte II

David Coimbra

Lá estava Péricles, suando, aflito, olhando de esguelha para dona Belinha, a vistosa mulher do gerente. Não um gerente qualquer, não: era o doutor Araújo, o seu gerente, e, mais do que isso, o seu técnico no time da firma. Péricles, havia muito, tentava conquistar a confiança do doutor Araújo. Ambicionava o cargo de subchefe de setor e o posto de quarto-zagueiro titular, mas sabia que o doutor Araújo ainda duvidava da sua capacidade. Assim como sua mulher Mariana. Ela também não confiava nele. Desde que aquela loirinha sardenta…

Bem, aquilo já passara. Só que ela não esquecia. Péricles, portanto, tentava desesperadamente reconquistar sua mulher e conquistar o seu técnico e gerente.

Aí aconteceu aquela ligação. Dez da noite, ele fazendo serão e toca o telefone. Péricles atende e uma voz feminina começa a falar todo o gênero de obscenidades. Luxúria. Lascívia. Dissolução. Cabritismo. Tudo o que se pudesse imaginar de libertinagem era sussurrado por aquela voz, coisas que fariam corar a própria Messalina. E era a dona Belinha! Sim, dona Belinha, a mulher do gerente. Ela não se identificou, claro, mas ele reconheceu a voz.
Durante a noite, Péricles ficou tão perturbado que sequer dormiu. Agora, lá estava ela, no escritório. Dona Belinha! Com uma minissaia… Cristo! Amenor delas, ela que vivia usando minissaias estonteantes. Palmo e meio de tecido, não mais. O escritório todo começou a rumorejar. Zumzumzum, viu?, viu?, que pernas! Péricles não olhava. Permaneceu com as vistas baixas, fitando, mas não enxergando, os papéis em sua mesa. Suava. Não via, mas pressentia os movimentos de dona Belinha pela sala, o ondular de suas pernas de abricó por entre as mesas. Ela dobrou à esquerda, à direita, entrou no corredor que levava à mesa dele, e veio. Veio. Veio. Na sua direção! Péricles não sabia o que fazer. Manteve a cabeça baixa. Ela parou diante da sua mesa. Péricles via unicamente uns 15 centímetros das pernas dela, o naco moreno entre a mesa e a minissaia. Hesitava. E suava. Aos poucos, olhou para cima. Viu a região do umbigo, as mãos, os braços, os, oh!, seios pétreos. Finalmente, aterrissou nos olhos. Ela o encarava, divertida.
— Oi, Péricles – cumprimentou, chispas de sol saindo da voz. – Viste o meu marido por aí?
Péricles olhou-a demoradamente antes de responder. Ela sorria, a boca entreaberta, os lábios intumescidos. A própria malícia, dona Belinha. Estava de costas para o resto do escritório, ninguém via aquele olhar. Só Péricles. Era um olhar tão incandescente que Péricles não conseguia falar. Queria dizer que o marido dela, o venerável doutor Araújo, se encontrava na sala dele, como sempre. Mas não conseguia abrir a boca.Acenou com a cabeça, somente: não, não vira o marido dela. Ela passou a língua vermelha e pontuda pelos lábios em forma de coração. Abriu ainda mais o sorriso. Disse:
— Péricles… – só isso, nada mais. E se foi em direção à sala do doutor Araújo. Péricles ficou sentado, nervoso, tremendo.
Não a viu mais, naquele dia. Só, de relance, na hora em que ela e o doutor Araújo, braços dados, foram embora. Péricles ficou trabalhando. Ia fazer serão outra vez. Precisava trabalhar, era verdade, mas, numa gaveta da alma, guardava a esperança de que ela ligasse de novo.
E ela ligou.
Dez da noite, outra vez. Disse o nome dele, entre dentes, e recomeçou com a lambuzeira verbal. Péricles ficou agitado, garganta apertada, olhava para os lados, engolia em seco, até que tomou uma atitude – balbuciou:
— Dona… — num suspiro.
E depois de uma pausa, com voz sumida:
— …Belinha…
Ao ouvir o próprio nome, ela calou. Péricles também. Silêncio. Péricles apertava o fone contra o ouvido, angustiado. Arrependeu-se de ter dito o nome dela. Ela certamente ficara furiosa. Talvez não quisesse jamais ser identificada. Talvez fosse essa sua fantasia – apenas falar, não fazer. Se tivesse ficado ofendida, poderia inclusive comentar algo com o doutor Araújo. O que seria horrível. Péricles queria muito que o doutor Araújo confiasse nele. Queria a vaga de chefe de setor. Queria ser quarto-zagueiro titular. Que arrependimento. Já estava decidido a desligar, quando ela falou.
— Péricles… — foi o que disse, a voz ainda mais cálida. E depois:
— Péricles… — mais quente.
— Péricles… — mais.
— Péricles… — e mais ainda!
Péricles sentiu a cabeça rodando. Ouvir seu nome sendo pronunciado daquela forma, com tanto… calor… amolecia-lhe os ossos, fermentava-lhe o cérebro. Tinha que dizer alguma coisa. Então disse: – Dona Belinha… E ela, ronronando:
— Péricles…
Ele, suspiroso:
- Dona Belinha…
Ela, quase gritando:
— Péricles!
Ele, gritando:
— Dona Belinha!
Ela, aos berros:
— Péricles!!!
Ele, desesperado:
— Dona Belinha!!!
— Péricleeeees!!!
— Dona Belinhaaaaa!
— Péééééricleeeeeees!!!
Marcaram um encontro para o dia seguinte. Porém, mal desligou, Péricles teve vontade de desmarcar. Decidiu, naquele momento: não iria.Não! De jeito nenhum. Iria manter-se determinado como um marido fiel e um funcionário exemplar. Não iria. Não iria mesmo. Ou iria? Bem, isso você vai ficar sabendo na parte final dessa história.

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