29 de agosto de 2011

A História do Mundo – Capítulo 12

OS HÁBITOS DO CROCODILO
David Coimbra
“Falemos agora do crocodilo e de seus hábitos. Esse animal não se alimenta durante os quatro meses mais rudes do inverno. Embora possua quatro patas, é anfíbio. Põe os ovos em terra e ali os choca. Passa fora d’água a maior parte do dia e a noite inteira no rio, porque a água é então mais quente do que o ar e o orvalho. De todos os animais que conhecemos, não há um que se torne tão grande depois de ter sido tão pequeno. Seus ovos não são maiores do que os do ganso, e os animalejos que deles saem são-lhes proporcionais em tamanho. O crocodilo é o único animal que não possui língua, não move o maxilar inferior e é também o único a aproximar o maxilar superior do inferior. Tem garras muito fortes, e a pele é de tal maneira coberta de escamas que se torna impenetrável. O crocodilo não enxerga absolutamente na água, mas fora dali tem a vista muito penetrante. Como vive na água, traz dentro da goela numerosos insetos, que lhe sugam o sangue. Os outros animais e os pássaros o evitam, sendo o troquilídeo (colibri) o único com quem vive em harmonia, devido aos benefícios que dele recebe. Ao sair da água, o crocodilo espoja-se e põe, habitualmente, as fauces às escâncaras na direção de onde sopra o Zéfiro. Entrando-lhe pela boca, o troquilídeo come todos os insetos que se encontram na sua goela, deixando-o aliviado e reconhecido.”
Essa sensacional descrição do crocodilo do Nilo foi composta há cerca de 2.500 anos pelo grande Heródoto, fascinado que estava com todas as coisas que viu em sua viagem pela terra dos faraós. Em seu livro fundador da História, de título, bem, “História”, Heródoto escreveu que se estenderia mais em seus comentários sobre o Egito “por encerrar ele mais maravilhas do que qualquer outro país; e não existe lugar onde se vejam tantas obras admiráveis, não havendo palavras que possam descrevê-las”.
Mesmo não havendo palavras que pudessem descrevê-las, Heródoto gastou milhares delas na tentativa. E obteve bom sucesso, embora, naturalmente, tenha cometido algumas imprecisões. Por exemplo: o crocodilo possui língua, sim, e move o maxilar inferior.
Antes de Champollion fazer sua descoberta revolucionária, Heródoto era a melhor fonte para se abastecer sobre o Egito. Tratava-se de uma testemunha ocular da vida naquela antiquíssima civilização. Heródoto contou muitas coisas interessantes. Tais como: “No Egito, as mulheres vão ao mercado e negociam, enquanto os homens, encerrados em casa, trabalham no tear (…) As mulheres urinam em pé; os homens, de cócoras”. Ou então, a respeito do amor das pessoas por seus animais de estimação: “Se em alguma casa morre um gato de morte natural, o morador raspa somente as sobrancelhas; se morre um cão, raspa a cabeça e o corpo todo. Os gatos mortos são levados para mansões sagradas e, depois de embalsamados, enterrados em Bubástis. Quanto aos cães, são enterrados em suas respectivas cidades, dentro de ataúdes sagrados. As mesmas homenagens são prestadas aos icneumos. Os musaranhos, os gaviões e os íbis de Heliópolis são transportados para Buto; mas os ursos, muito raros no Egito, e os lobos, pouco maiores do que as raposas, são inumados no próprio local em que foram encontrados mortos”.
Viu como o Antigo Egito era interessante? Lá havia icneumos e musaranhos.
Um relato importante de Heródoto é o que revela as minúcias da preparação de uma múmia:
“Primeiramente, extraíam os miolos pelas ventas com um gancho de ferro, e o que não saía assim era tirado com infusão de drogas. Depois, com uma pedra cortante, faziam uma abertura de lado e extraíam as entranhas; e tendo limpado o abdômen, lavavam-no com vinho de palmeira e o aspergiam com estudados perfumes. Enchiam depois a cavidade com pura mirra, cássia e outras essências, e costuravam o corte; e feito isso maceravam o defunto em natro durante setenta dias; não era legal exceder esse prazo. Ao fim dos setenta dias, lavavam o corpo, enleavam-no em bandas de pano encerado e o empapavam de goma, que no Egito é usada em vez de cola. Em seguida punham o corpo numa caixa de madeira com a forma dum homem, fechavam-na e guardavam-na em câmara sepulcral, de pé, encostada à parede”.
Múmias e pirâmides, é no que as pessoas pensam quando ouvem falar no Egito. Múmias e pirâmides. O que são? Múmias são pessoas mortas, pirâmides são túmulos. Portanto, o Antigo Egito só vive entre nós por causa da morte. Porque aquele povo, aquele tipo de pessoas que viviam ao longo do Nilo há cinco mil anos, esses não existem mais. É uma raça desaparecida, que se fundiu com tantas outras na poeira dos séculos. O que continua vivo do Antigo Egito é o que sobrou das suas crenças. Da sua religião. Os egípcios acreditavam que o corpo era habitado por algo parecido com a alma dos cristãos, o ka, e esse ka seria melhor preservado se preservado fosse o corpo. Assim, a mumificação tentava manter íntegro o corpo e a pirâmide lhe fornecia a casa eterna.
Há uma ironia aí. Como já vimos, as religiões só existem devido à morte. Porque a morte ronda o homem, assombra-o e o fascina desde os tempos do primeiro neanderthal. O homem, quando toma consciência da inevitabilidade da morte, não faz outra coisa na vida senão tentar tornar-se imortal. O homem tem filhos, escreve livros, compõe sonatas, pinta quadros e faz a guerra para tentar vencer a morte. E é por isso também que ele funda religiões. As religiões não são nada além da expressão desesperada do homem que quer viver, mas sabe que vai morrer, do homem que não admite que tudo o que ele é, tudo o que ele sente e pensa, que todo o seu universo vá se apagar para sempre, provavelmente sem deixar rastro, sem posteridade, sem maiores lamentações.
Então, ele imagina que existe algo maior e além. Uma vontade externa, uma entidade que não apenas o protege contra a miríade de misérias da vida como dá sentido a tudo que acontece, mesmo que seja ruim, mesmo que pareça não ter sentido. E se a existência tiver sentido, dando sentido também à morte, então o homem se torna imortal. Eis o esforço das religiões. Os egípcios acreditavam que não só o espírito, mas também o corpo do homem continuava existindo depois que o coração parava de bater; os cristãos têm fé na reencarnação e num céu repleto de anjos tocadores de harpa; os hebreus aguardam o dia do Juízo Final em que as almas serão pesadas na balança do Senhor; os muçulmanos torcem para ir para o Sétimo Céu, onde os espera tudo o que lhes é interdito em vida: 72 húris formosas e vinho abundante sem a ressaca consequente. Ao mesmo tempo, os egípcios ergueram pirâmides assombrosas na areia do deserto, os hebreus escreveram um best-seller que atravessa séculos com idêntico sucesso, os cristãos encheram a Europa e as Américas de catedrais e os muçulmanos pontilharam o Oriente Médio com mesquitas. Essas obras são indestrutíveis, seguem intactas por gerações sem fim e, desta forma, fazem com que as religiões alcancem seu objetivo: tornam o homem imortal.
Feita essa digressão, voltemos às múmias e às pirâmides. No próximo capítulo de A História do Mundo.

Nenhum comentário: