15 de dezembro de 2011

Tortura no Confessionário

04 de julho de 2011
Texto de Marcos Rolim, publicado em seu site

A experiência democrática no Brasil é uma ilha cercada de incompreensões por todos os lados. Natural, vez que somos sujeitos e testemunhas do maior período democrático em nossa história republicana e ele tem apenas pouco mais de 20 anos.
Todas as tiranias pretendem a supressão da pluralidade  que caracteriza a agência humana e alimentam a loucura da uniformidade, do regramento capaz de impor, não raro pelo terror, a paz dos cemitérios. Os regimes ditatoriais e totalitários constroem, por isso mesmo, a experiência radical da solidão: a impotência absoluta. Incapazes de manifestar aquilo que os diferencia dos demais – opiniões, modos de vida, hábitos –os indivíduos se transformam em sombras de si mesmos.  Em seu belo livro “Heróis Demais” (Cia das Letras, 240 pg.), Laura Restrepo conta a história de um filho à procura de seu pai, um ex-ativista de esquerda que lutou contra a ditadura militar argentina. Há uma passagem em que a mãe do menino, Lorenza, toma um ônibus em Buenos Aires, no auge da repressão. A personagem usava um vestido levemente transparente quando alguns senhores a insultam por conta da roupa. Percebe, então, que nenhuma ditadura se estabelece sem o moralismo que recusa aos demais o direito à diferença, inclusive nos modos de se vestir. As mulheres, é claro, são as primeiras vítimas deste “olhar normalizador” que chegou por aqui com os colonizadores, irmanados pelo que imaginavam ser a “palavra de Deus” e tementes do Santo Ofício.

Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos, afirmou em entrevista recente que “não há verdadeiramente mulheres vítimas de estupro já que, em alguma medida, elas sempre consentem com o ato”. Para mostrar às mulheres que não devem abortar por conta do estupro, o Bispo usa em seu confessionário a “técnica da caneta”. Pega a tampa da caneta e solicita que a mulher enfie o cilindro na tampa. Então, movimenta a tampa impedindo o encaixe.  Para ele, “uma mulher que não consente com o ato sexual resiste ao encaixe do cilindro na tampa da caneta”. Ao serem confrontadas com a “técnica da caneta”, as mulheres desistiriam do aborto, pois o estupro seria uma “mentira”.

Assim, ao invés do conforto, o Bispo de Guarulhos oferece às vítimas a noção de culpa. Não deixa de ser impressionante que o espírito da Inquisição seja tão presente entre nós e que pessoas como este Bispo – protegidos pelo manto da Igreja – reinventem a tortura, agora no confessionário. Que ele imagine uma vagina como uma tampa de caneta é até compreensível, já que, em tese, bispos não devem ter a menor noção deste tema; mas que erga sua ignorância e sua carga de preconceitos contra as mulheres, vitimando-as uma segunda vez, me parece algo repugnante.  Mulheres vítimas de estupro são, freqüentemente, paralisadas pelo terror. A agressão é tamanha e a humilhação é de tal ordem que não se pode exigir das vítimas qualquer tipo de conduta. Mulheres violentadas estão à beira da morte, por definição. Morte do corpo transformado em um objeto – um pedaço de carne para a sanha do agressor - e mortificação da “alma”; vale dizer, de sua dignidade. É em favor da morte destas mulheres e ao lado dos estupradores que o Bispo de Guarulhos atua. Pior: há quem concorde com ele.

28 de novembro de 2011

Como ser a favor da Lei Seca


19 de novembro de 2011
Texto de Cristiane Medeiros publicado na Zero Hora de 18/11/2011 e reproduzido no Blog do David Coimbra.
Conheço muitos homens que traem suas mulheres e muitas mulheres que traem seus homens.  Conheço muitos contribuintes que dão um jeito de ludibriar o Imposto de Renda. Conheço muitos motoristas que ultrapassam o limite de velocidade permitido nas estradas. Infratores, todos, mas não censuro nenhum deles. Porque, afinal, a monogamia transforma o amor em um fardo, a carga de impostos é excessiva e o limite de velocidade em 80 por hora numa estrada é baixo demais. Sei que essas pessoas continuarão infringindo os regulamentos, e sei que a culpa não é delas. A culpa é dos regulamentos, que não são razoáveis.

17 de novembro de 2011

Correntes na Internet II

Procurando sobre esse assunto que muito me irrita (inclusive já postei aqui um artigo sobre o assunto) encontrei esse texto num BlogAchei interessante e resolvi postar o conteúdo aqui.



Esses dias recebi no meu email o seguinte texto:
Muito obrigado pelas 4512 correntes que me foram enviadas até agora, neste ano, graças a elas tomei algumas atitudes que mudaram minha vida:
1. já não saco dinheiro em caixa eletrônico porque vão me colar um adesivo amarelo e quando eu dobrar a esquina vão me roubar;
2. já não tomo coca-cola porque me avisaram que um cara caiu no tanque da fábrica e ficou totalmente corroído;
3. não vou ao cinema com medo de sentar numa agulha contaminada com o vírus da AIDS;
4. estou como uma inhaca de gambá porque desodorante causa câncer de mama;
5. não estaciono o carro em Shopping Center com medo de cheirar perfume e ser sequestrada e violentada;
6. não atendo meu celular com medo que alguém peça para digitar 55533216450123=t4rh2 e eu tenha que pagar uma fortuna de ligação para o Irã;
7. não como mais BigMac pois é tudo feito com carne de minhoca com anabolizante;
8. não como mais carne de frango pois os frangos foram alterados geneticamente e têm seis asas, oito coxas e não têm bico, penas nem cabeça;
9. não saio com mais ninguém porque tenho medo de acordar na banheira cheia de gelo e sem meus rins;
10. refrigerante em lata, nem pensar, tenho medo de morrer de leptospirose;
11. não tenho mais nenhum tostão pois doei tudo para a campanha em prol da operação de uma menina
que precisa fazer uma operação urgente, que só tem mais dois meses de vida (desde 1993);
12. escrevi em 500 notas de R$1,00 uma mensagem para a Nossa Senhora da Frieira, para me dar muito dinheiro, e acabei perdendo umas 20 notas pois eu escrevi demais;
13. este mês devo receber o meu celular Ericsson, por ter repassado os e-mails para 2366 amigos, e mês que vem recebo os U$1000 da AOL e da Microsoft, além dos prêmios da Nestlé;
14. não bebo mais refrigerante Kuat, pois ele tem uma substância que causa câncer;
15. Nossa Senhora já deve estar morando lá em casa de tanta visita que recebo dela;
Então, cambada de criadores de correntes, se vocês não passarem esta corrente para 115000 amigos em exatos cinco minutos, um urubu vai sentar em seu ombro e você vai ter azar pro resto da sua miserável vida!!!
Atenciosamente,
todos nós que odiamos receber correntes!
o que é engraçado é que essa mensagem anti corrente não deixa de ser também uma corrente!!!

2 de novembro de 2011

O anonimato covarde na Internet



No último domingo, 30 de outubro de 2011, recebi um comentário um tanto quanto ofensivo aqui no blog. O comentário não foi postado e por um motivo muito simples: além de ser ofensivo, a pessoa usou o subterfúgio covarde do ANONIMATO. Pelo teor do comentário, seu autor ou autora, de alguma forma, se sentiu criticado por este blogueiro. Não sei se por alguma crítica feita aqui no blog ou publicamente. Isso quem sabe nunca saberei pois a pessoa usou a covardia do anonimato para me atacar.
Diariamente ataques são feitos na Internet. Ataques covardes, criminosos (o combo calúnia-injúria-difamação) e anônimos. Infelizmente para esse bando de canalhas o anonimato na Internet tem se apresentado como uma benção. É muito fácil ficar sentado em frente a tela de um computador usando nomes e e-mails falsos e de forma anônima despejar toda a frustração de suas vidas vazias e infelizes contra pessoas que, por hobby, usam a Internet para expor suas opiniões claras e não anônimas. Via de regra, esses covardes são pessoas que no contato próximo são mansas como um gato castrado, não têm nem coragem de te olhar no olho, muito menos de rugir como fazem enquanto golpeiam o teclado.
Nesse momento você que está lendo esse post pode estar imaginando que o autor desse blog não consegue aceitar críticas que já se ofende. Pelo contrário, críticas são bem vindas, desde que sejam para ajudar a construir um blog melhor. Se essas críticas são ofensivas e mentirosas eu não as aceito. A crítica a que eu me submeto a cada post escrito no blog é extremamente valiosa, quando feita da maneira minimamente adequada: com argumentação e respeito.
A falta de argumentação e principalmente de respeito faltaram no episódio mencionado lá no primeiro parágrafo, com um agravante: há vários motivos para acreditar que a covardia partiu de alguma “pessoa” que mal me conhece, que não convive diariamente comigo e portanto pouco, ou quase nada, conhece a respeito de mim.
Queria pedir desculpa aos leitores desse blog que nada tem a ver com essa história, mas eu não poderia deixar passar em branco esse fato, onde de forma vil e covarde fui atacado por uma pessoa que nem ao menos teve a honradez de se identificar, me negando assim o direito de resposta e de defesa.

A História do Mundo: Capítulo 20

David Coimbra


Quantos presidentes o Brasil já teve desde a proclamação da República, em 1889, até a eleição de Dilma Rousseff, em 2010?
Parece fácil de responder. Basta contar: um, Deodoro; dois, Floriano Peixoto; três, Prudente de Morais; quatro, Campos Sales… Mas não é bem assim. Vibra e pulsa uma polêmica a respeito dessa questão, porque houve vices que assumiram a presidência, houve presidentes interinos, houve brechas em que um presidente ficou no cargo por pouquíssimo tempo, houve juntas governativas. Então, se é certo que Dilma Rousseff é a primeira mulher eleita presidente (ou presidentA, como ela gosta), não é certo se ela é a 37ª ou 32ª pessoa a ocupar o posto. Isso numa história de 120 anos. Imagine, agora, listar os faraós que governaram o Egito por 3.200 anos…
Trata-se de tarefa árdua, sobretudo porque naquele tempo não existia o Google. No entanto, o regime dos faraós foi tão bem-sucedido que, durante todo esse tempo, apenas 30 famílias governaram o país em sucessão. Trinta dinastias. Um fenômeno de estabilidade. É certo que, antes da unificação, o Egito experimentou pelo menos outros dois mil anos de história, mas o tempo dos faraós é que foi a glória da nação. Foi nesse período que o Egito se tornou imortal. E, ainda mais importante, foi nessa época que o Egito influenciou para sempre a Civilização Ocidental.
A unificação do Egito, e o consequente estabelecimento da Primeira Dinastia, se deu em cerca de 3.200 anos antes da Era Cristã. O autor da façanha foi Menés, o primeiro faraó. É evidente que Menés dispôs de muita habilidade ao unir o Alto e o Baixo Egito, mas é evidente, também, que ele só alcançou sucesso porque havia uma demanda por isso. O Estado centralizado tornava-se necessário no Egito porque, sozinhas, as pessoas não conseguiriam vencer as enormes dificuldades impostas pela Natureza. Era preciso abrir canais de irrigação, construir silos, definir canais fluviais de transporte, montar barcos e portos para recebê-los. Quer dizer: o esforço conjunto fazia-se indispensável. E, se o esforço conjunto é indispensável, indispensável também é a figura de um líder que aponte o caminho a seguir. Esse líder foi o faraó. Menés, o primeiro de todos.
O governo centralizado e forte era tão importante no Egito que o faraó foi promovido de rei a deus. Essas coisas não acontecem por acaso. As instituições só funcionam quando as pessoas precisam delas. Pense em tudo que é convenção na sociedade, tudo que é subjetivo e que depende visceralmente de justificativa moral para existir: o casamento, a monogamia, a ética do trabalho, a etiqueta, as maneiras de se vestir etc. Tudo isso, que em última análise é limitador da vontade humana, tudo isso só existe por necessidade da sociedade. Assim a divinização do faraó. O Egito não existiria sem um poder central forte. Esse sentimento tornou-se tão arraigado no espírito do povo que varou os séculos. Sobreviveu até à própria independência do país. No século 19, Napoleão escreveu do seu exílio em Santa Helena:
“Quando Alexandre atravessou o deserto até o oásis de Amon, em 14 dias de marcha, e quando ali se proclamou filho de Zeus-Amon, agiu com profundo conhecimento da mentalidade daquele povo (…) E, desta forma, contribuiu para consolidar a conquista mais do que se tivesse construído 20 fortalezas e chamado cem mil macedônios (…) O que admiro em Alexandre não são tanto as suas campanhas, mas os seus métodos políticos (…) Foi um ato solenemente político sua ida ao Templo de Amon, pois deste modo ele conquistou o Egito. Se eu tivesse ficado no Oriente, provavelmente teria fundado um império como o de Alexandre, dirigindo-me em peregrinação a Meca”.
Napoleão, um gênio político-militar, admirava Alexandre, outro gênio político-militar, por sua sagacidade. E a prova dessa sagacidade, no entender de Napoleão, foi a percepção de Alexandre do quanto o povo egípcio tinha entranhada na alma a convicção de que seu governante era divino.
Menés, portanto, fundou a tradição dos reis-deuses do Egito e a Primeira Dinastia. Nessa Primeira Dinastia houve inclusive um faraó chamado Aha, mas não acredito que tenha sido ele o inspirador de uma banda de rock norueguesa que se formou cinco mil anos depois. Foi só na Terceira Dinastia que o faraó Djoser, ou Geser, ordenou a construção da famosa Pirâmide de Sakkara, a precursora das pirâmides que simbolizam o país.
Trata-se de uma pirâmide em degraus. A base retangular, e não quadrada como a das pirâmides clássicas, é maior do que a segunda camada. A segunda camada é maior do que a terceira, e assim por diante, até a sexta. A Pirâmide de Sakkara foi obra de Imhotep, o primeiro grande arquiteto da Humanidade. Imhotep era médico, arquiteto, administrador e primeiro ministro. Uma espécie de Leonardo da Antiguidade.
A pirâmide de Imhotep, ou do faraó Djoser, foi o ponto de partida para que se chegasse à simplicidade irretocável da pirâmide clássica. Em seguida, na Quarta Dinastia, o faraó Snefru avançou três passos rumo à perfeição, cada passo uma pirâmide. Snefru tornou-se conhecido pela posteridade como “O Construtor de Pirâmides”. Não por acaso. Ergueu uma, não gostou: era uma pirâmide em degraus, como a de Sakkara. Mandou erguer outra, não gostou: foi uma denominada “romboidal”, que é quase a forma da pirâmide clássica, mas com a base quadrangular. Por fim, ergueu a terceira, a chamada Pirâmide Vermelha, muito parecida com as pirâmides que o mundo conhece. Dessa o homem gostou. Os arquitetos egípcios estavam chegando lá.
As pirâmides que simbolizam o Antigo Egito foram construídas ainda na Quarta Dinastia pelos três famosíssimos faraós que bem poderiam formar um trio de meio-campo: Quéops, Quéfren e Miquerinos.
O pai de todos foi Quéops, que, embora fosse pai de todos, era filho de Snefru. Foi ele o construtor da Grande Pirâmide, a única das Sete Maravilhas do Mundo Antigo que ainda está de pé. A estupidez e a concupiscência humanas, porém, por pouco não a puseram abaixo (quando se juntam, a estupidez e a concupiscência são quase invencíveis). No século 9, o califa Abdullah El Mamun, que governou o país por 50 anos, queria desmontar a Grande Pirâmide a fim de se apoderar dos tesouros que, supunha ele, estavam escondidos entre suas paredes. Só desistiu do projeto porque seus engenheiros disseram que o trabalho sairia mais caro do que a soma de todos os impostos arrecadados pelo Egito durante anos. Contentou-se em abrir uma passagem na parede norte, ainda utilizada por quem visita o monumento.
Muitos se impressionam ao saber que a Pirâmide de Quéops é o monumento mais pesado do mundo. Não sei por que tanto espanto. Afinal, quem é que vai querer levantar a Pirâmide de Quéops? Mais impressionante é a precisão geométrica com que foi construída. Sua base é um quadrado praticamente perfeito, com lados de 230 metros, variando menos de 20 centímetros de um para outro. As paredes laterais se inclinam num ângulo de 41º até se encontrarem a 157 metros do chão. Os gigantescos blocos de calcário foram cortados com tanta destreza que, depois de encaixados, era impossível enfiar uma faca entre eles. Como conseguiram essa proeza 25 séculos antes de Cristo?
Quéops é o nome que os gregos deram ao faraó. Em egípcio diz-se Khufu. Era um rei misterioso, pouco se sabe a seu respeito, não existe nem sequer a certeza de que tenha sido sepultado na Grande Pirâmide. Não restou nenhum retrato dele, nenhuma estátua, exceto uma estatueta de marfim de 12 centímetros de altura, que está exposta no Museu Egípcio do Cairo.
Segundo Heródoto, Quéops foi um rei cruel e tirânico. Obcecado pela sua pirâmide monumental, exauriu os cofres do país na construção. Mas você sabe como é obra: sempre sai mais do que o previsto. Se o arquiteto diz que vai custar 60, pode se preparar para gastar 120. Neste caso, normalmente as pessoas apelam para empréstimos bancários. Como naquele tempo não havia bancos, quando o dinheiro acabou Quéops lançou mão de um recurso pouco ortodoxo: mandou a própria filha para um lupanar. O que ela arrecadasse alugando o corpo macio e sinuoso seria revertido para a construção. O homem queria MESMO terminar aquela pirâmide.
A princesa obedeceu às ordens de papai, com uma condição: além do pagamento por seus serviços, cada amante teria de lhe trazer uma pedra. Com essas pedras, ela levantou a pirâmide que está plantada em frente à do pai-cafetão. Se você for um dia a Gizé, poste-se entre as duas pirâmides e pense em como foram erguidas. Em seguida, jogue suas mãos para o céu e faça uma saudação a essa admirável mulher da Antiguidade, pois ela certamente foi uma filha obediente, uma princesa formosa e uma competente profissional do prazer.
Depois de meio século de desmandos, Quéops virou múmia e foi sucedido por seu irmão, Dedefre, um faraó obscuro, que mal teve seu nome registrado pela História. O rei seguinte foi o filho de Quéops, Khafre (Quéfren, para os gregos), que governou por 56 anos e construiu a segunda maior pirâmide e a Esfinge. Quéfren foi tão despótico quanto o pai. Os egípcios detestavam tanto esses dois faraós que chamavam seus túmulos de “As Pirâmides de Filítis”, um pastor que costumava passar com seus rebanhos pelo local – uma pequena vingança do povo oprimido, mostrando que desde os séculos mais remotos só restam aos povos oprimidos pequenas vinganças.
Miquerinos, filho de Quéfren e neto de Quéops, não puxou ao pai ou ao avô. Foi um bom faraó, que ajudava o povo até com seus recursos pessoais. Como não queria gastar muito do tesouro público, mandou erigir um túmulo mais modesto do que os dos seus antepassados. Sua pirâmide eleva-se à metade da altura da de Quéops.
Heródoto conta uma história curiosa sobre Miquerinos: um dia, um oráculo profetizou que ele só teria mais seis anos de vida. O faraó ficou muito triste, mas resolveu reagir. Ordenou que fossem construídas inúmeras candeias. Assim, quando a noite chegava, ele mandava acendê-las em todo o palácio. Então, bebia e comia à grande, amava belas mulheres, divertia-se com os amigos. Fazia de tudo para confundir o oráculo e transformar seis anos em doze. Não funcionou, Miquerinos morreu mesmo. Mas pelo menos aproveitou bem o tempo que lhe restava. Os monumentos que imortalizaram os faraós e seu tempo, portanto, estavam concluídos, mas a aventura dos antigos egípcios continuaria, repleta de lances espetaculares, por ainda outros 2.500 anos.
Os quais vamos ver nos próximos capítulos.

23 de setembro de 2011

TV brasileira: cada vez pior

Um dos meus primeiros post publicados aqui no blog se referia ao retorno do Big Brother no inicio deste ano. Teci alguns comentários gerais sobre a péssima qualidade da programação televisiva brasileira. Depois disso pesquisei mais sobre o assunto e percebi que muito se fala e nada se faz para, efetivamente, mudar esse quadro deprimente.
A programação da TV aberta está cada vez pior. Com algumas poucas exceções a programação da televisão é uma grande porcaria. Os canais de Televisão priorizam programas de baixa qualidade, com baixo custo. Mesmo tendo acesso a muitos canais, não consigo achar nada de produtivo na TV brasileira. Programas como o do Ratinho, o Superpop, Quem Convence Ganha Mais, entre outros, tomam conta do horário nobre dos principais canais da TV aberta.
Algumas emissoras até ameaçam apresentar algumas coisas boas, como seriados. A Rede Globo apresenta suas próprias produções que, na maioria das vezes, são de gosto duvidoso, para não dizer péssimo. Quando compram algum seriado americano de boa qualidade esses são apresentados na madrugada, onde a maioria dos mortais não assiste. O SBT tem vários bons seriados em sua grade, mas também são apresentados na madrugada. Enquanto isso, somos obrigados a olhar o Ratinho, ou então desligar a TV.
Temos ainda a possibilidade de assinar as televisões pagas, mas isso ainda é muito caro no Brasil. Quem gosta de seriados tem optado por baixar diretamente da Internet seus seriados favoritos. Eu, por exemplo, faço isso, pois não consigo ficar muito tempo em frente a televisão com uma programação tão pobre como a maioria esmagadora dos canais do Brasil.
Eu já apresentei um post ensinando um jeito prático de baixar e assistir as séries produzidas nos Estados Unidos e algumas no Reino Unido. Enfim, no tutorial que apresentei é possível baixar praticamente qualquer série da televisão mundial, além de filmes.

21 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 19

David Coimbra

Olhe para você.
Veja no que você se transformou.
Você passa a noite ressonando em cima de um colchão macio como as canelas da Fernanda Lima e debaixo de cobertores quentes como o olhar da Megan Fox. Seu quarto provavelmente é climatizado. Você não saberia mais viver sem Split e controle remoto. Seu travesseiro é perfeito para a curva do seu pescoço, você tem dificuldades de dormir quando está sem ele. Ao levantar-se, você calça suas confortáveis chinelas de feltro, desliza para o banheiro da sua suíte, escova os dentes com um creme sabor tutti frutti e faz gargarejos com um antisséptico bucal sabor menta. Você senta à mesa do café da manhã e à sua frente já está deitada no pires de porcelana uma fatia de mamão-papaia limpa de sementes. Ao lado, aguardam um copo de suco de laranja, uma xícara de café fumegante e uma fatia de pão preparado com sete grãos, suavemente besuntada com geleia de amoras.
Assim você começa o seu dia. Depois, você sai por aí dentro de suas calças jeans e sua camisa polo, entra no seu carro com direção hidráulica e atende ao celular. Ao desligar, pensa nos seus compromissos e suspira:
- Que dureza, que dia a dia corrido, o meu. Essa vida é mesmo uma selva!
Uma selva?! Vida dura?! Você é um efeminado, isso sim! Você perdeu o contato com o cerne da vida! Com o barro da existência. Você é o produto acabado, aliás mal-acabado, dessa distorção da ordem natural das coisas que se chama Civilização. Porque as coisas não tinham de ser assim. Não eram assim. Na maior parte do tempo da existência do homem na Terra, tudo era visceral, tudo era simples. Você não sentiria falta de seu travesseiro fofo, porque estaria acostumado a apoiar a cabeça numa pedra dura. Você também não sentiria falta do celular, porque, juro por Deus, houve um tempo em que as pessoas conseguiam viver sem celular.Você seria um nômade. Não teria casa, não plantaria, nem colheria. Não moraria em nenhum país, estado ou cidade porque não existiriam países, estados e cidades. Não existiriam leis. A propriedade estaria limitada a alguns poucos bens que você pudesse carregar. Você poderia pegar o que quisesse da natureza, sem ter de pedir permissão a quem quer que fosse, porque nada seria de ninguém e ninguém seria de ninguém.
Haveria algumas desvantagens, é claro: você provavelmente morreria jovem, já que a medicina não seria muito desenvolvida, não existiria penicilina, nem planos de saúde, nem check-up, nem, oh, Cristo!, Engov. Em compensação, você poderia fazer sexo com quem bem entendesse, quando bem entendesse e onde bem entendesse, você não trabalharia, não teria chefe nem horário para acordar ou dormir, você não ficaria preso em engarrafamentos e não teria de vestir terno e gravata nos casamentos porque, e isso é especial, NÃO HAVERIA CASAMENTO!
Já pensou? Não haveria casamento, nem noivado, nem namoro, nada disso, por que ninguém entenderia o conceito de, cruz credo, monogamia.  As pessoas viveriam em regime de regime algum, em liberdade total, sem família, sem posses, sem leis. Os filhos seriam de todo o clã, bem como a comida e os poucos utensílios. Pense em todas as coisas dispensáveis da vida, como a política e a economia. Nada disso existiria. A vida seria só viver, como deve ser.
Foi assim um dia, por muitos dias.
Por que mudou?
O que fez de você o que você é hoje?
Aí está: foi um movimento, um único movimento em direção ao conforto. Alguém resolveu parar. Cansou de deslocar-se de um lugar para outro, encontrou um terreno perto de um rio, com clima ameno e algum bosque nas imediações. Ali ele não precisava nem plantar. Só precisava colher algumas frutas e raízes e cuidar de seus animais. Mas, para ficar ali, ele precisaria levantar uma casa. No começo, certamente apenas um teto. Mas essa foi a diferença. No momento em que o engenho humano foi empregado para construir o conforto inaugural, no momento em que o homem pela primeira vez modificou a natureza em seu benefício, foi como uma faísca iniciando um incêndio. Porque, depois do teto, o homem deduziu que poderia erguer paredes para proteger-se do vento. Em seguida, compreendeu que, se abrisse janelas nas paredes, teria um ambiente arejado e iluminado. Para construí-las, precisaria de ferramentas. E tudo começou. Uma facilidade levou a outra necessidade, que levou a uma invenção, que fez o homem compreender que poderia inventar mais para criar outras facilidades que satisfariam outras necessidades. Assim por diante. E agora você bebe refrigerantes diet e aquece o quiche no forno de micro-ondas, você se irrita porque sua TV não tem HD e porque seu celular não tem 3G. Você se amolentou nas amenidades da Civilização.
Mas a Civilização só ergueu amenidades em torno do homem porque, antes, em torno do homem havia dificuldades. A Civilização surgiu onde a vida era precária, mas nem tanto. Não por acaso, brotou às margens de alguns rios. Não quaisquer rios, mas rios com uma geografia particular.
Por que a Civilização não surgiu ao longo do caudaloso Amazonas? Ou do bucólico Reno? Por que surgiu entre o Tigre e o Eufrates e ao comprido do Nilo?
Resposta: porque ao longo do caudaloso Amazonas e do bucólico Reno a Civilização era dispensável. Os homens tinham caça e coleta em abundância por espaços aparentemente infinitos. É do que precisam os nômades.
Peguemos um exemplo de nômades clássicos: os índios brasileiros. A forma de vida deles é bastante simples. Um grupo de índios se estabelece em um local em que haja água e caça em abundância. Ali eles pescam, caçam e colhem. Não erguem edifícios, não rasgam estradas, não plantam, nem aram a terra. Apenas tiram da Natureza o que a Natureza proporciona. Se você é ecologicamente correto, deve estar suspirando de nostalgia e ouvindo os passarinhos cantando, só de pensar nos primeiros donos da Terra Brasilis. Ilusão sua. Os índios não eram nada ecológicos. Durante sua estada no local, exauriam todos os recursos sem dó nem pejo. Depois que o lugar estava infestado de lixo e quase sem animais para caçar, eles se mudavam com suas tangas e tacapes para devastar outro terreno. Por maldade? Por má intenção? Não. Porque simplesmente era assim. Toda essa história de consciência ecológica é algo muito recente, que, como tudo na vida, surgiu de novas necessidades humanas.
Necessidades.
Nas margens do Nilo e entre o Tigre e o Eufrates havia mais necessidades e menos fartura. Não havia tanto espaço, nem Natureza tão exuberante. A área tornada fértil pelas cheias do Nilo se estendia, em média, por 15 quilômetros. A leste e a oeste espalhavam-se, ameaçadoras, as areias do deserto. Na região do Tigre e do Eufrates, mais ou menos a mesma situação: uma faixa de vida rodeada pela aridez, pelo calor sufocante e pelos animais peçonhentos.
A vida nômade, portanto, era quase inviável. A região não era dotada de recursos suficientes para esse confortável meio de sobrevivência. Os povos que ali se estabeleceram compreenderam que não poderiam ficar se mudando a todo momento. Não poderiam mais ser nômades.
A Civilização era necessária.

16 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 18

A TERRÍVEL ORDEM DE DEUS
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que aquele deus não era exatamente o deus dos cristãos. Aquele deus, o “Inefável”, era definido pelas consoantes hebraicas YHVH. Um deus tão temido que Seu nome não poderia ser pronunciado. Mesmo assim, pronunciaram. Provido de consoantes, YHVH tornou-se Javeh, aportuguesado para Javé e suavizado para Jeová. Um ex-centromédio do Grêmio que protegia muito bem a zaga, Jeovânio, prestava, com seu nome, homenagem a Jeová.
Jeová, como você já sabe de sobejo, era o deus do Velho Testamento, denominação que só existe para os cristãos. Para os judeus, chamar o Velho Testamento de Velho Testamento seria admitir que existe um Novo Testamento. Para eles não existe. Para eles, a Bíblia é formada apenas pelos 46 livros que, na essência, ficaram prontos 200 anos antes de Jesus nascer. Para os cristãos são entre 70 e 73 livros, dependendo da vertente.
Na Bíblia hebraica, o Tanah, o deus é muito diferente daquele descrito por Jesus. Ele é um deus ciumento, colérico e belicoso. O Deus dos Exércitos. Um Deus que escolheu um povo em detrimento dos outros, escolha que, não raro, converteu-se em um fardo para esse povo. Porque Jeová era dado a impingir punições duras, como as que desabaram sobre Sodoma e Gomorra, além de vinganças e provações. A mais cruel de todas, certamente, aquela imposta a Abraão: o filicídio.
A mulher de Abraão, Sara, era estéril. Para não deixar o marido sem descendência, ela foi sensata como deveria ser toda mulher: escolheu, com seus próprios olhos, uma escrava para que se refestelasse com Abraão e, por consequência, reproduzisse. Deu certo. Reproduziram. Foi gerado um menino a quem Abraão deu o nome de Ismael, “Deus ouviu” em hebraico, porque Deus ouvira suas preces e lhe dera um filho.
Porém, quando Sara já tinha 90 anos, e Abraão 100, um anjo apareceu e anunciou que ela ficaria grávida. Ela deu risada. Ficou grávida. Teve o filho, e Abraão chamou-o de Isaac, que significa “ele riu”. No caso, ela riu.
Por essa altura, Ismael tinha 13 anos de idade. Sara, temendo que o menino mais velho se tornasse o principal herdeiro da família, convenceu Abraão a mandá-lo embora, junto com a mãe. Sara deve ter incomodado muito Abraão, você sabe como as mulheres incomodam quando querem uma coisa. Não suportando mais a insistência da mulher, ele expulsou a escrava e o menino para o deserto em condições precárias, munidos com nada mais do que um odre d’água e um pouco de pão. Fosse por Abraão, eles morreriam de sede, mas Jeová providenciou uma fonte d’água, os dois se salvaram e Ismael transformou-se no patriarca de todos os povos árabes, que hoje, ameaçadores, cercam os seus meio-irmãos hebreus por todos os lados.
A ciência, se não chega a confirmar essa história, fornece-lhe um aval. Agora, no século 21, uma pesquisa realizada em conjunto por cientistas de cinco países, entre eles Estados Unidos e Israel, mostrou que palestinos, sírios, libaneses e judeus têm forte parentesco genético entre si. O estudo comparou o DNA de 1.300 homens árabes e judeus de 30 países. Os exames mostraram esses povos possuem um ancestral comum, possivelmente os semitas ocidentais, que teriam habitado o Oriente Médio há pelo menos 4 mil anos. Esse ancestral bem pode ter se chamado Abraão, um nome comum na época.
Mas, voltando ao drama do patriarca: Abraão ficou tão-somente com Isaac como filho. E foi esse filho que Jeová exigiu em sacrifício. Falou, com sua voz de Cid Moreira:
“Abraão! Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac, e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicarei!”
Abraão obedeceu sem discutir. No dia seguinte, tomou um jumento, dois servos e o filho e foi para o local indicado. Depois de três dias, encontrou o lugar. Amarrou o filho a uma pedra, como se fosse um cordeiro. Empunhou uma faca de bom corte. Ergueu a mão. Estava prestes a degolar o menino, quando Jeová gritou lá de cima com alguma aflição na voz de tenor:
“Abraão! Abraão! Não estendas tua mão contra o menino e não lhe faças nada! Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu único filho!”
Era um teste!
Agora pense no que representa essa história. Eu, se fosse Abraão, recusaria com veemência o pedido do Senhor. Diria:
“Que tipo de divindade é você, que pede o assassinato de uma criança?”
E se Ele insistisse, eu repetiria:
“Não! Pode arranjar outro patriarca!”
Mas, se eu fosse adiante, amarrasse o menino e só tivesse minha mão assassina detida no último instante, aí sim me enfureceria. Xingaria-O:
“O Senhor não sabe de tudo? Não é onisciente, onipotente e onipresente? Não vê tudo, inclusive dentro dos corações dos homens? Então, que espécie de cilada é essa? Foi só para me torturar? Foi só por sacanagem? Pode arranjar outro patriarca!”
Eu não seria um bom protagonista para essa história, portanto. Porque o autor da história, o que ele pretendia com ela era exaltar a fé de Abraão, para que essa fé servisse de exemplo e guia a todo um povo, como serviu.
A fé, era isso que o autor queria propalar. A fé, que é base de todas as religiões. A fé, que, Mencken já definiu, é a crença ilógica na ocorrência do improvável. Foi essa fé que manteve unido o povo hebreu por quase 40 séculos. A fé, que existe dentro de cada homem, nada mais é do que a necessidade de acreditar em algo além do homem, em uma razão excelsa para existir. O autor da Bíblia precisava instilar uma fé inamovível, extrema, inabalável, completa, caso contrário não conseguiria manter unido o seu povo. E, o mais importante, não conseguiria dar seguimento ao projeto da Civilização.
Isso é fundamental. Isso é decisivo. A Civilização é antinatural. A Civilização é uma violência. Tudo, no homem, chama o homem para a vida que ele levava antes da Civilização. O homem quer comer e beber o que bem entender, quando bem entender, da forma que bem entender; o homem quer tomar para si o que deseja; e, sobretudo, o homem quer fazer sexo sem restrições. Mas ele não pode! Por que não pode? Porque a Civilização impede. Mas a Civilização não existiu desde sempre na história do mundo. A Civilização é uma novidade de 12 mil anos. Como a Civilização conseguiu reprimir esses desejos humanos?
Para que a Civilização vencesse, como venceu, seria preciso um apelo muito poderoso, algo sublime, intangível, maior do que a própria natureza:
Deus.
A Lei, hoje, é um acordo entre os homens de uma comunidade. Se você desrespeita a Lei, sofre a repressão dos homens. Logo, você a respeita por medo da repressão. Mas, se você tem a certeza de que não será alcançado pela repressão, o que o impede de tomar à força uma mulher que deseja e possuí-la? O que o impede de ocupar aquela casa que você cobiça? Você diria que isso não é certo. Por que não é certo? Quem disse que não é? Além disso, o certo e o errado são subjetivos. O que é certo aqui pode ser errado ali adiante. Retomo, pois, a pergunta: como a Civilização conseguiu coibir o egoísmo, a ganância e o desejo humano?
Graças a Deus.
Os patriarcas da Humanidade, os homens que fizeram as primeiras leis, precisavam de um respaldo inquestionável. Esse respaldo era Deus. Deus não gosta que os homens matem, roubem ou cobicem a mulher do próximo. Deus deu a Lei aos homens. Mas os homens só cumprirão a Lei se acreditarem em Deus. Se tiverem fé. Uma fé inquebrantável. Uma fé que não admite discussões. A ponto de um homem assassinar o próprio filho, seu único e amado filho, se Deus assim ordenar. Abraão, portanto, é um exemplo: ninguém poderia passar por maior provação do que ele. E ele manteve sua fé. Jamais duvidou. Jamais pensou em fazer ponderações diante de uma ordem do Todo-Poderoso. É o que a Civilização exige todos os dias do homem. O homem tem de renunciar aos seus instintos porque a Civilização determina. Eis o resumo do drama do homem sobre a Terra: o homem passa todos os dias da sua existência lutando contra si mesmo. De um lado, Deus e a Civilização. Do outro, a natureza humana. Que luta desigual. Que tragédia para a natureza humana.

15 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 17


SODOMA & GOMORRA. E AS FILHAS DE LOT
Os arqueólogos suspeitam que Sodoma, Gomorra e mais outras três cidades, Zoar, Admá e Zebolim, ficavam encravadas em um lugar aprazível chamado Vale dos Campos, que hoje dorme sob as águas densas do Mar Morto. Se for verdade, as cidades logo brotarão do fundo do mar, que na verdade não é um mar, é um lago. É que o Mar Morto já perdeu um terço da sua área, devido ao uso que Israel e Jordânia fazem das águas do seu principal afluente, o Rio Jordão.
Há 3.800 anos, Sodoma e Gomorra faziam e aconteciam na superfície. Segundo a Bíblia, o pecado dos habitantes das cidades era “muito grande”. O que faziam? Presumivelmente, os sodomitas sodomizavam-se e os gomorritas gomorrizavam-se, o que deve ser horrível. Deus, então, teria falado com Abraão a respeito e anunciado suas intenções de destruir as cidades pecadoras com fogo e enxofre, o que é mais horrível ainda. Abraão decidiu interceder pelos sodomitas e gomorritas. Seguiu-se, então, uma espetacular negociação entre Abraão e o Senhor. Abraão argumentou, apelando para os bons sentimentos do Todo-Poderoso:
“Fareis o justo perecer com o ímpio? Talvez haja 50 justos na cidade: fá-los-eis perecer? Não perdoaríeis antes a cidade em atenção aos 50 justos que nela se poderiam encontrar? Não, Vós não poderíeis agir assim, matando o justo com o ímpio, e tratando o justo como o ímpio! Longe de Vós tal pensamento. Não exerceria o Juiz de toda a Terra a justiça?”
Ouvindo aquilo, o Senhor ponderou sobre os argumentos de Abraão e cedeu:
“Se eu encontrar em Sodoma 50 justos, perdoarei toda a cidade em atenção a eles”.
Um a zero para Abraão. Mas ele devia suspeitar que a probabilidade de encontrar 50 justos em Sodoma era pequena, porque, ardiloso, prosseguiu:
“Não leveis a mal se ainda ouso falar ao meu Senhor, embora seja eu pó e cinza. Se por ventura faltar cinco aos 50 justos, fareis perecer toda a cidade por causa desses cinco?”
E o Senhor:
“Não a destruirei se nela encontrar 45 justos!”
Abraão não se deu por satisfeito. Continuou:
“”Mas talvez só haja aí 40…”
“Não destruirei a cidade por causa desses 40″, respondeu o Senhor.
E Abraão, cheio de humilde malandragem:
“Rogo-Vos, Senhor, que não Vos irriteis se eu insisto ainda… Talvez só se encontrem 30…”
O Senhor, do alto de Sua proverbial paciência, respondeu:
“Se eu encontrar 30, não o farei!”
Mas Abraão, testando ainda mais os limites do Todo-Poderoso, foi em frente:
“Desculpai, se ouso ainda falar ao meu Senhor: pode ser que só se encontrem 20…”
E o Senhor, decerto depois de um suspiro celestial:
“Em atenção aos 20, não a destruirei!”
Abraão, arrojado, seguiu com seu plano:
“Que o Senhor não se irrite se falo ainda uma última vez! Que será, se lá forem achados dez?”
E Deus, provando que tem uma tolerância bem maior do que a minha, por exemplo, concordou:
“Não a destruirei por casa desses dez!”
E se retirou, antes que Abraão voltasse a incomodar.
Você pode tirar muitas interpretações do diálogo. Eu, aqui, vejo a vocação para a negociação que têm os povos árabes e judeus, dos quais Abraão é o pai.
De qualquer forma, Deus investigou e não encontrou justo algum em Sodoma e Gomorra.
As cidades seriam destruídas.
Para isso, Ele enviou dois anjos a Sodoma. Os anjos bateram à porta de Lot, o sobrinho de Abraão, que os recebeu muito bem, ofereceu-lhes um banquete, camas confortáveis e tudo o mais que a gente deve proporcionar a anjos quando eles aparecem na nossa casa, sobretudo se são anjos brabos, como aqueles. Depois de comer e beber, os anjos estavam prestes a se recolher. Precisavam descansar. Afinal, teriam muito o que fazer no dia seguinte. Destruir cidades inteiras a fogo e enxofre é trabalho duro.
Bem. Eles ainda não haviam se deitado, quando todos na casa se sobressaltaram com fortes batidas na porta. Eram os sodomitas, que gritavam:
– Lot! Onde estão os homens que entraram essa noite em tua casa? Conduze-os a nós para que os conheçamos…
Você sabe qual é a acepção do verbo “conhecer” na Bíblia. Quer dizer: os sodomitas queriam sodomizar os anjos. Lot se apavorou. Foi até o limiar da porta, fechou-a atrás de si e pediu que eles não fizessem aquilo.
– Tenho duas filhas que ainda são virgens – disse Lot. Eu vo-las trarei, e fazei delas o que quiserdes. Mas não façais nada a esses homens, porque se acolheram à sombra do meu teto.
Lot ofereceu as próprias filhas aos sodomitas!
Mas os sodomitas não aceitaram a proposta. Queriam porque queriam os anjos. O que nos força a uma dedução a respeito das filhas de Lot. Mantidas virgens em plena Sodoma e recusadas pelos sodomitas, que, a elas, preferiram dois homens, embora fossem belos como anjos, bom, isso só pode significar que as filhas de Lot eram no mínimo feinhas.
Assim, os habitantes de Sodoma pedalaram a porta da casa de Lot e estavam prestes a fazer sexo com os anjos, o que deve ser um pecado grave. Só que os anjos têm seus recursos e artimanhas. Antes que os sodomitas pusessem as mãos ávidas neles, o Senhor intercedeu e cegou-os a todos de um golpe.
Ao amanhecer, portanto, as cidades seriam destruídas inapelavelmente. Os anjos mandaram que Lot, sua mulher e as filhas fugissem para a montanha, não se detivessem em parte alguma e não olhassem para trás. Ao que, Lot argumentou:
“Oh, não, Senhor! Já que vosso servo encontrou graça diante de vós, e usaste comigo de grande bondade, conservando-me a vida, vede: eu não posso salvar-me na montanha, porque o flagelo me atingiria antes e eu morreria. Eis uma cidade bem perto onde posso abrigar-me. É uma cidade pequena e eu poderei refugiar-me nela. Permiti que eu o faça, e terei a vida salva”.
E o Senhor, compreensivo, retrucou:
“Concedo-te ainda esta graça. Não destruirei a cidade a favor da qual me pedes. Apressa-te e refugia-te, porque nada posso fazer antes que lá tenhas chegado”.
A cidade recebeu o nome de Segor, que significa “pequena”.
E aí esbarramos em outra história ilustrativa da Bíblia: Lot não quis ir para as montanhas, antes pediu para se mudar para uma cidade, ainda que pequena. Ou seja: rejeitava o nomadismo por completo. No velho estilo de vida, não sobreviveria. Precisava, desesperadamente, de uma cidade, qualquer que fosse, mas uma cidade.
No caminho para Segor, em meio ao deserto, ocorreu aquele incidente famoso: a mulher de Lot, cujo nome a Bíblia não cita, não resistiu à curiosidade e olhou para trás, desobedecendo o Senhor. Como o Senhor não admite desobediência, transformou-a em uma estátua de sal. Os cientistas acreditam que Sodoma e Gomorra tenham sido vitimadas pela erupção de um vulcão. O Mar Morto situa-se a 400 metros abaixo do nível do mar, o mais baixo local habitado em todo o planeta. Numa de suas margens, eleva-se um paredão de sal e calcário, com formas estranhas, algumas delas parecendo humanas. Uma dessas é apontada pelos moradores do lugar como a estátua da mulher de Lot.
Como nada na Bíblia está lá por acaso, eu aqui interpreto essa lenda como uma reprimenda à irresistível curiosidade que é característica do gênero feminino. Cuidado, garotas: certas descobertas podem transformá-las em estátuas de sal.
Enfim.
Curiosamente, na continuação desse capítulo do Gênesis, Lot sai de Segor por temer algum perigo não explicitado pelo autor, e vai se refugiar em uma caverna na montanha. Aí, no escuro da caverna, dá-se um incidente extraordinário que é tratado com inexplicável naturalidade pela Bíblia. Como não havia homem pelas imediações, as filhas de Lot traçaram um plano: embriagaram o pai e, de acordo com o autor, “dormiram” com ele, primeiro a mais velha, depois a mais nova, uma noite depois da outra. Cada uma gerou um filho: Moab, o pai dos moabitas, e Bem-Ami, pai dos amonitas. Um terrível caso de incesto, mas nem a Bíblia nem o Senhor tecem considerações a respeito.
E nós, o que entendemos que o autor quis dizer com essa história? Óbvio: que as mulheres fazem qualquer coisa para ter um filho. Mas existe outra conclusão subjacente. Note: Lot não queria ir para as montanhas, queria ir para a cidade. Sua opção foi pela Civilização. Quando teve que fugir da Civilização e se refugiar na caverna, o que aconteceu? Ele e sua família voltaram aos tempos selvagens do nomadismo. Um tempo em que até o incesto era praticado e aceito.
As aventuras dos patriarcas continuam palpitantes pelas páginas do Gênesis, repletas de mensagens para o gênero humano, até que ocorre um dos incidentes mais espantosos da Bíblia: Deus manda Abraão matar o próprio filho.

12 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 16

SEXO E SANGUE, SEXO E SANGUE
David Coimbra

Sexo e sangue.
As pessoas gostam de histórias com sexo e sangue.
Sexo e sangue sobejam na que contarei a seguir.
Está tudo na Bíblia. Há quem diga que isso pode desacreditar a história. Claro que não. Historicamente, a Bíblia deve ser encarada como a leitura dos hieróglifos pintados nas paredes dos túmulos egípcios ou como as inscrições nas estelas macedônicas: ali há muito de lenda, mas também há muito de verdade. Até porque a lenda conta algo a respeito de quem a concebeu. O que o autor pretendia ao contar aquilo como um acontecimento real? Que reação esperava do seu público? A natureza da mentira diz muito a respeito do mentiroso. O enredo do romance revela muito da alma do romancista.
A Bíblia relata a história do povo judeu. Começa com o Gênesis, o engenhoso mito da criação do mundo e do primeiro casal humano, segue pelo dilúvio, que, você já sabe, provavelmente foi uma grande enchente do Rio Eufrates. Tudo aquilo de que já falamos. O Gênesis é um livro genial, um texto poderoso repleto de significados enviesados, de mensagens recônditas, de interpretações psicológicas, antropológicas e filosóficas. Por exemplo: o Gênesis deixa bem posto, no capítulo do assassínio de Abel por Caim, que a Civilização é a desgraça do homem. O ideal de Deus e da Natureza seria a vida nômade e sem regras de Adão e Eva, que viviam pelados, pintados de verde, num eterno domingo.
Mas o homem desistiu daquela vida de liberdade e optou pelas amarras da Civilização. Deus não aprovou. A prova está em outro trecho do Gênesis pulsante de significados. É um capítulo intitulado “Corrupção da humanidade”:
“Quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a Terra, e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas, e escolheram esposas entre elas. O Senhor então disse: ‘Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne, e a duração de sua vida será só de 120 anos’. Naquele tempo, viviam gigantes na Terra, como também daí por diante, quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e elas geravam filhos. Estes são os heróis, tão afamados nos tempos antigos”.
Era a Bíblia introduzindo no espírito humano a noção de que sexo é pecado. Em resumo, com a Civilização o sexo tornou-se pecado. Porque o cimento da Civilização é a PROPRIEDADE, que é transmitida por HERANÇA, que é garantida pela FAMÍLIA, que só se mantém se existe a FIDELIDADE CONJUGAL. Tome esses quatro termos que escrevi em maiúsculas, some-os e você compreenderá o que é a Civilização.
O sexo livre, portanto, tornava-se pecado. Tratava-se de uma ideia nova no mundo. Durante milênios, homens e mulheres fizeram sexo sem culpa. Agora, os hebreus condenavam as ânsias da carne. Quando isso se deu? A tradição bíblica afirma que o redator do Pentateuco foi Moisés, o que situaria a obra em cerca de 1.200 anos antes de Cristo, mas sabe-se que os autores foram vários e mais recentes. É provável que esse pensamento só tenha se desenvolvido na época dos profetas, que eram uns tipos sisudos e moralistas. Isso joga a noção de pecado da carne lá para o século sétimo antes de Cristo.
Mas o que importa são as intenções dos autores da Bíblia. O que eles pretendiam passar ao leitor com toda essa conversa de os filhos de Deus cobiçando as filhas dos homens, o homem abandonado por Deus por ser ele, homem, todo carne. São parábolas. Histórias ilustrativas.
Agora, é evidente, também, que nem tudo na Bíblia é ficção. O primeiro personagem histórico do Pentateuco, o primeiro que a Ciência admite que possa ter existido, foi Abraão, o patriarca das três grandes religiões monoteístas, o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo.
Abraão era da cidade de Ur, da Caldeia. Saiu de lá para tornar-se um seminômade. Vagava com sua família e seus animais pelo palco sempre agitado do Oriente Médio, vez em quando parava em uma cidade, comerciava e seguia em frente.
A vantagem dos nômades é que eles podem escapar rapidamente das intempéries. Uma enchente não leva tudo o que eles têm, porque eles nada têm. Ou quase nada. O que têm, carregam nos próprios braços ou nos lombos das mulas. Era o que faziam Abraão e os seus. Um dia, sobreveio uma seca e, por consequência, grande fome na região de Canaã. Abraão reuniu seu pequeno clã e partiu para o Egito. Antes de entrar no país, chamou sua mulher Sara, que então chamava-se Sarai, nome que acho muito mais gracioso, e disse-lhe:
“Escuta: sei que és uma mulher formosa. Quando os egípcios te virem, dirão: ‘É sua mulher’, e me matarão, conservando-te a ti em vida. Dize, pois, que és minha irmã, para que eu seja poupado por causa de ti, e me conservem a vida em atenção a ti”.
Abraão conhecia o mundo em que vivia. Chegando ao Egito, o faraó em pessoa encantou-se com Sarai e a incorporou ao seu harém. Com todo o respeito aos fiéis das três grandes religiões monoteístas, que são milhões, preciso comentar que Sarai devia ser uma mulher monumental, uma Megan Fox da pré-história. Porque, de acordo com a Bíblia, veja só o que aconteceu:
“Por causa dela, Abraão foi bem tratado pelo faraó, e recebeu ovelhas, bois, jumentos, servos e servas, jumentas e camelos”.
O faraó deve ter ficado muito contente com a mulher que lhe trouxe Abraão. Mas, nesse ponto, emerge uma imprecisão histórica da Bíblica: o camelo ainda não havia sido domesticado no tempo de Abraão. Isso só se deu cerca de 700 anos depois.
Em todo caso, o que nos interessa é que o faraó se repoltreou com Sarai. Do que o Senhor não gostou nem um pouco. Furioso, “feriu com grandes pragas o faraó e sua casa”. Ao que o faraó chamou Abraão e o recriminou:
– Por que me disseste que era tua irmã? Que me levaste a fazer?
Então, devolveu Sarai a Abraão e os mandou embora com tudo o que tinham.
O relato bíblico dá a impressão de que Abraão valeu-se da beleza de Sarai para amealhar patrimônio, mas isso também não é relevante. O relevante, aqui, é o fato de Abraão ter passado pelo Egito, demonstrando como os povos da região começavam a se interessar pelo grande país espreguiçado às margens do Nilo.
Abraão continuou a viver suas aventuras pelo Oriente Médio, na companhia de sua mulher Sarai e de seu sobrinho Lot. Em certo momento, Lot acomodou-se, com sua mulher e filhas, na cidade de Sodoma, vizinha de Gomorra.
Tenho certeza de que agora você se interessou mais pela história. Só porque leu esses nomes mágicos: Sodoma e Gomorra. De fato, essas duas cidades passaram para a posteridade como exemplos de pecado e de depravação. Sexo, as pessoas estão sempre pensando em sexo. Em homenagem à Sodoma e Gomorra, vamos então abrir um capítulo especial, intitulado… leia o título no próximo capítulo.

8 de setembro de 2011

A História do Mundo – Capítulo 15

OS VAGABUNDOS DAS AREIAS
David Coimbra

Quando o nômade Abraão pisava na areia do Oriente Próximo com suas sandálias de couro, por volta de 1850 a.C., o Egito já era velho de mais de dois mil anos e o Reino Médio já contava um século e meio de história.
Até então, o Egito havia se mantido infenso a qualquer influência estrangeira. Autossuficientes e sofisticados, os egípcios chamavam os povos asiáticos de “os vagabundos das areias”. Apesar de o país estar cercado pelas areias dos desertos, não era sobre elas que os egípcios viviam e sim sobre a terra fertilizada pelo Nilo, que chamavam de “Terra Preta”, a terra da vida. O deserto que se estendia, ameaçador, rumo ao infinito era chamado de “Terra Vermelha”, a terra da morte. Não por acaso, foi na Terra Vermelha que eles plantaram as pirâmides. Ou seja: os seus túmulos.
A geografia, portanto, ajudava os egípcios a se isolarem. Porque, para acessá-los, outros povos tinham de atravessar o deserto de um lado ou o mar de outro. Também a política os mantinha intocados. O Egito era um país, ao contrário da maioria dos Estados de então, que eram cidades-estado.
O auge desse estado centralizado e progressista deu-se no reinado do faraó Amenemhat III, entre 1860 e 1814 a.C. Esse faraó foi um grande construtor. Fez barragens e canais que facilitaram a vida dos agricultores. Levantou uma pirâmide famosa, a chamada Pirâmide Negra, mas, por algum motivo, não quis ser sepultado nela e a deixou para servir de túmulo às suas rainhas. Ergueu também um palácio magnífico, um prédio suntuoso com mais de três mil salas. Para você ter ideia do que significa isso, lembre-se que o Palácio de Versalhes tem “apenas” 700 quartos. Os Luíses da França não amarravam a sandália canhota dos faraós.
Porém, ah porém, depois do auge inevitavelmente vem a decadência. Os sucessores de Amenenhat III envolveram-se em disputas com os governadores da província, o estado se enfraqueceu e alguns estrangeiros passaram a se infiltrar na região do Delta. Era o começo da mudança. Duas raças semíticas, em especial, transformariam o Egito para sempre. Uma delas foi a dos descendentes de Abraão, a outra foi a dos misteriosos guerreiros hicsos.
Esses hicsos vieram da Palestina. Eram conhecidos como os “Reis Pastores”. Na verdade, não passavam de bárbaros. Nômades famintos e sujos, vestidos com peles, incultos e sanguinários. Como conseguiram derrotar uma civilização muito mais avançada? Por terem algo que os egípcios não tinham:
O cavalo.
Usando cavalos e carros de guerra, os hicsos saquearam cidades, violentaram mulheres, assassinaram homens, queimaram casas, derrubaram monumentos e se fartaram à grande. Mas não foram embora; estabeleceram-se. E então a roda da vida pôs-se a girar. Porque o homem, uma vez preso à terra, busca a comodidade. Ele quer um teto para morar, quer uma mulher que lhe dê filhos, ele quer a comida farta e a bebida capitosa, ele quer se divertir em paz. Ele se civiliza. Então, engorda e amolece. E é conquistado por outros bárbaros inquietos que vêm de fora.
No caso dos hicsos, não foram bárbaros estrangeiros que os derrotaram, mas os próprios egípcios, que incorporaram o cavalo e o carro de guerra aos seus exércitos e, depois de 200 anos, um nada para um egípcio, expulsaram os invasores e retomaram o controle do país.
Começaria aí uma nova era de prosperidade. Mas antes de falar nela é preciso contar algo sobre outro povo que havia se infiltrado no outrora hermético Egito: os hebreus de Abraão. Eles merecem um capítulo à parte. O próximo de A História do Mundo.